A hora e a vez da mulher na Grécia Antiga

Este texto não é um artigo acadêmico!!! É apenas uma reflexão.

Voltando a reler os clássicos, apenas por deleite e um pouco de refrigério da alma, deparei-me com questões interessantes no que se refere ao papel da mulher em Atenas no período clássico.

Jovem dança ao som da flauta

Sabe-se que mulheres, crianças e escravos eram excluídos da vida pública em qualquer situação e não usufruíam de nenhum tipo de direito político, o título de cidadão era reservado apenas aos homens, nascidos de pais atenienses. Todavia, Péricles, em sua reforma no ano de 451 a. C., restringe o acesso à cidadania, já que se tornava necessário ter pai e mãe ateniense para obter a cidadania, quando anteriormente, bastava que o pai fosse de Atenas. Essa era uma mudança significativa na pólis ateniense, posto que à mulher também era estendido do título de cidadã, mas apenas para gerar filhos que fossem cidadãos e filhas que pudessem se casar com outros cidadãos. É interessante pensar que a mulher tinha o título, por meio dela era concedido o título aos homens descendentes, mas não usufruía dele.

Elas estavam destinadas ao espaço privado, enquanto os homens usufruíam do público, mas isso não quer dizer que elas não pudessem sair à rua. Havia festivais, por exemplo, que eram destinados às mulheres, em louvores à deusa Atena como as Panateneias ou as Tesmofórias, que era um festival exclusivamente feminino, ligado principalmente à fertilidade agrícola e humana, em homenagem a Deméter e a Perséfone/ Koré. Portanto, elas partilhavam de um grupo social diferenciado que também era necessário ao progresso espiritual e o sucesso da atividade agrícola  pólis ateniense durante o ano vindouro.

Ainda falando de Atenas, é importante que se remeta a um texto de Santo Agostinho (A Cidade de Deus, Livro XVIII, Capítulo 9, p. 1717-1718) que cita Marco Terêncio Varrão explicando que é o voto feminino que atribui o nome da cidade à deusa Atena.

Mesmo tendo votado em favor à deusa Atena as mulheres perderam três direitos: o direito ao voto, o de dar seus nomes aos seus filhos e ao de serem chamadas de ateneias, ateneidas ou mulheres de Atenas.

Há também o caso de que em Atenas o nome de uma mulher não podia ser mencionado em público, a não ser que ela tivesse baixa reputação. Em casos arbitrados nos tribunais em Atenas, como por exemplo, o assassinato de um marido, a mulher era sempre representada por um homem. Contudo, se fosse necessário que ela apresentasse provas, seu testemunho era tomado mediante os membros da família e introduzido aos argumentos, aos quais, muitas vezes, atribuía-se considerável relevância.

O nome de uma mulher era mencionado em público fora de sua família somente se ela fosse escrava, prostituta (hetaira), sacerdotisa ou se estivesse morta. Os nomes oficiais também eram diferentes para homens e mulheres. Os homens atenienses tinham três nomes: o pessoal, o patronímico e o demótico – nome da deme original da família ou o seu lugar de residência. As mulheres tinham os nomes pessoais e eram identificadas pelo nome do pai ou do marido com um possessivo, mas não tinham demódicos e não estavam registradas nas listas das phraties (clãs hereditários e de parentesco) ou no registro das demes. Mesmo nas lápides de mulheres estavam inscritos os demódicos do pai ou do marido.
(COLE, 2008, p. 41)

Havia também uma categoria de mulheres, a qual se evidenciava por Aristóteles de “esposas dos pobres” que trabalhavam no comércio. Essas mulheres trabalhadoras e negociantes estavam exclusivamente na camada mais baixa da escala econômica, elas podiam se ocupar de lã, comércio varejista e aleitamento, ficando impedidas de terem ocupações que ganhassem dinheiro. Aliás, elas eram proibidas por lei de realizar negócios com quantias acima de três dracmas (moeda vigente na Atenas Clássica).

Exemplo de Dracma.

Deixo aqui um pensamento: qual era o papel da sacerdotisa e da pitonisa? Elas pertenciam à alguma classe (escrava, meteca, cidadã)?

E na literatura?

Páris (Orlando Bloom) e Helena (Diane Kruger) no filme Troia, 2004.

A literatura grega nos mostra mulheres bem diferentes. Comecemos por Helena.

cheguei, fugida, tálamo, irmãos, filha e amigas
queridas para trás largando.
Ilíada, canto III, vv. 176-177

Helena de Esparta, depois alcunhada de Helena de Troia, era filha de Zeus (metamorfoseado em cisne) com a mortal Leda. Dessa união, Leda colocou dois ovos: um com os imortais filhos de Zeus, Helena e Polux e o outro, com os irmãos mortais, cuja paternidade é atribuída a Tíndaro, Clitemnestra e Castor. Era considerada a mulher mais bela do mundo antigo, devido sua descendência divina, foi roubada por Teseu quando tinha 11 anos, mas recuperada por seus irmãos e devolvida à terra natal. Por ser tão linda, tinha diversos reis e príncipes de toda Grécia como pretendentes e, para não causar nenhuma guerra interna por entregar a filha para um ou para outro, Tíndaro, seu pai mortal, deixou Helena escolher o seu esposo. Antes da escolha, todavia, Odisseu fez com que todos os reis da Grécia firmassem um pacto de proteção à Helena e ao marido que ela escolhesse. É importante salientar que tal medida adotada por Helena é emblemática, pois, mesmo sendo espartana, ou seja com costumes diferentes das atenienses, Helena demostra força e decisão. E isso só é se considerarmos a importância da mulher espartana em sua sociedade.

O segundo rapto de Helena, protagonizado por Páris Alexandre, príncipe de Troia, levou a Grécia a uma guerra de 10 anos, cujos últimos meses foram contados por Homero. O rapto não aconteceu apenas porque os dois estavam apaixonados, na verdade, o passado mítico de Páris diz que ele foi convidado para ser juiz em uma desavença ocorrida com 4 deusas: Hera, Atena, Afrodite e Éris. As três primeiras foram convidadas para o casamento de Tétis e Peleu (pais de Aquiles) e a última, Éris, não tendo sido convidada, apareceu na festa com uma maçã de ouro com a inscrição “à mais bela”. As três deusas reivindicam o pomo e Zeus para não entrar em “pendenga” com nenhuma das deusas, indica que Páris julgue quem é a mais bela. As três deusas aparecem para Páris oferecendo presentes diversos: Hera oferece o poder e riqueza sobre o mundo antigo, Atena oferece glória, fama e sabedoria para vencer todas as batalhas e, Afrodite, oferece a mulher mais bela do mundo como esposa. Páris escolhe Afrodite.

Vale salientar que quando Helena fugiu com Páris, abandonou Hermíone, sua filha com nove anos. Por tantas acusações que caíam sobre a rainha de Esparta, o sofista Górgias escreve “O Elogio de Helena”. Para defender e inocentar Helena da culpa de ser a única responsável pela guerra, além de restaurar a boa fama da rainha, o retórico Górgias escreve um Elogio (que, para outro retórico, Isócrates, é considerado uma apologia – discurso de defesa), para o qual o autor apresenta quatro motivos pelos quais Helena não deve ser culpada: a influência dos deuses (– mais uma referência ao episódio do pomo e ao julgamento de Páris, para esta não há como fugir); a violência a qual é submetida no rapto (tendo o raptor utilizado de força física para subjugá-la, ele merece ser culpado); a persuasão pelo discurso (se ela foi convencida por meio da persuasão retórica, não merece ser culpada); ou por Amor (seja o deus ou o que o autor denomina de ‘doença humana’). Ou seja, de acordo com Górgias, Helena foi uma vítima dos deuses e/ou de Páris.

Quando se faz um retrocesso histórico de como a personagem Helena nos foi apresentada, pode-se perceber que há uma carga semântica de julgamento de suas ações. A reputação de Helena nos é intrínseca culturalmente em sua composição. De acordo com Coelho (1997), esse tratamento dado à personagem é posterior aos cantos homéricos, “pois na Ilíada os males da guerra não são atribuídos a uma falta sua e na Odisséia as críticas a ela ainda são brandas.” Na Ilíada, o poeta coloca a absolvição de Helena na fala do rei Príamo, conforme ilustra os versos a seguir (Ilíada, III, v. 161-166):

Assim falavam. Príamo, porém, para Helena
se dirigiu: “Querida filha, vem sentar
junto a mim, para ver teu esposo de outrora,
teus parentes e amigos (não te cabe a culpa,
penso, do polilágrimo prélio de Aqueus
e Tróicos travam; sim aos deuses) […]”.

Em seguida, a resposta de Helena à Príamo (Ilíada, III, v. 171-177):

Divina-entre-as mulheres, respondeu Helena:
“És para mim, querido sogro, venerável
e temível. A morte má, sorte propícia
– sinto – me seria, quando com teu filho, aqui
cheguei, fugida, tálamo, irmãos, filha e amigas
queridas para trás largando. Não se deu […]”.

Helena culpa Afrodite (Ilíada, III, v. 394-401):

[…]. Assim falou a deusa,
e comoveu-a no íntimo. Mas percebendo
o colo pluribelo e os seios capitosos
da deidade, e os seus olhos de um fulgor marmóreo,
atônita, exclamou Helena: “Ó demoníaca4
por que esse teu desejo de enganar-me tanto?
Logo me levarás à Frigia ou à Meônia,
onde se encontre um ser falante a ti dileto. […]”

A resposta de Afrodite (Ilíada, III, v. 413-418):

Furiosa, respondeu-lhe a divina Afrodite:
“Mísera, não me incites. Se me encolerizas
e te deixo, terás meu ódio em vez do meu amor.
Se entre Aqueus e Troianos eu suscitasse a ira
lutuosa contra ti, de má morte morrias”.
Falou. Helena, filha de Zeus, teve medo.

É importante ressaltar que na resposta de Afrodite há a certeza de que Helena não é odiada pelos que lutam na guerra, tudo porque, de acordo com a mitologia, a contenda era inevitável: era preciso diminuir o peso da terra para que Atlas continuasse a suportando. Ou seja, Homero assume a posição da inevitabilidade da guerra, por isso, não culpa Helena. Já Górgias a defende por outro viés: a inevitabilidade das circunstâncias a qual Helena é exposta, no que tange à moralidade.

Helena foi “cantada” em diversos gêneros de discurso: no épico, de Homero (como já exemplificado) e nos Cypria (texto para nós perdido que narra os acontecimentos anteriores à Guerra e dá atenção ao julgamento de Páris); no histórico, de Herótodo, no discursivo deliberativo, de Górgias e Isócrates (embora, para este último, Górgias tenha escrito um discurso de defesa e não um elogio, visto que o elogio tem por objeto elogiar as virtudes); na tragédia (Helena), com Eurípides. Segue o exemplo (v. 31-36 e 57-59):

Mas Hera indignada por não ter ganho da deusa,
Nada trouxe para o meu casamento com Alexandre,
Ela não me deu ao filho do Rei Príamo, mas uma imagem (fantasma)
semelhante a mim, que vive e respira, coloca junto aos céus,
que parece me ter, conceito vazio, não me tem.
[…]
Hermes, o renomado, ainda insistirá na terra
de Esparta, percebendo como não tendo ido à Ilion,
de forma que nunca fui para cama em companhia do homem.
(Tradução própria)

Antígona

Antígona é a princesa de Tebas, filha de Édipo e Jocasta, irmã de Ismênia, Etéocles e Polinice. Acompanhou o martírio do pai, depois de ter furado os olhos e o acompanhou até Colona, ficando com ele até sua morte e depois retornou à Tebas. Seus irmãos tinha acordado dividirem o reinado entre eles anualmente. Todavia, Etéocles, passado primeiro ano, recusou-se a entregar o trono a Polinice, que recorreu ao rei de Argos, Áfrastos, seu sogro, que o ajudasse. O caso resultou no episódio “Os Sete Contra Tebas”. Após muitas lutas, os irmãos, em embate direto, morreram. Creonte, agora rei de Tebas, por ser irmão de Jocasta, determina por um edito que a Etéocles seria dispensada honras funerárias, quanto Polinice, deveria ter seu corpo abandonado onde caíra, proibindo qualquer honraria fúnebre de quem quer que fosse, sob pena de morte. Antígona, apesar dos protestos de Ismênia, decidiu enterrar o irmão com suas próprias mãos. Antígona acusa Creonte de ir contra os próprios deuses:

“Tua lei não é a lei dos deuses; apenas o capricho ocasional de um homem. Não acredito que tua proclamação tenha tal força que possa substituir as leis não escritas dos costumes e os estatutos infalíveis dos deuses. Porque essas não são leis de hoje e nem de ontem mas de todos os tempos. Ninguém sabem quando apareceram. Não, eu não iria arriscar o castigo dos deuses para satisfazer o orgulho de um pobre rei. Eu sei que vou morrer, não vou? Mesmo sem teu decreto. E se morrer antes do tempo aceito isso como vantagem. Quando se vive como eu em meio a tantas adversidades, a morte prematura é um grande prêmio. Morrer mais cedo não é uma amargura; amargura seria deixar abandonado o corpo do meu irmão.”

SÓFOCLES. Antígona. Tradução Millôr Fernandes. São Paulo: Paz e Terra, 2003. p. 25-26.

Adaptação de Antígona de Antunes Filho, 2005.

Antígona foi condenada à morte por Creonte, que também perdeu seu filho, noivo dela e sua rainha que se matou de tristeza pela morte do filho. A única a sobreviver da família que Édipo e Jocasta formaram foi Ismênia, do mais todos morreram tragicamente.

O Coro na adaptação da peça Antígona, de Antunes Filho, 2005.

Há muitas outras…

Há ainda outras mulheres emblemáticas presentes na literatura, como a própria Clitemnestra, irmã de Helena, que matou o rei Agamemnon, sobrevivente de Troia, mas foi assassinada por Orestes, incitado por Electra, fatos contados na trilogia Oresteia.

Medeia é outra mulher grega, a feiticeira que ajuda Jasão no episódio do Velocino de Ouro, é cheia de astúcia e rituais, como enviar um vestido envenenado para Creusa, pretendente de Jasão. Na versão de Eurípedes, Medeia mata os próprios filhos para punir Jasão pela infidelidade, para vingar a sua honra (timé – τιμή). Fez uma trilha de mortes: matando seu próprio irmão, Absirto; o tio de Jasão, Pélias; a noiva de Jasão, seus filhos com Jasão e, ainda, tentou fazer o rei Egeu matar seu filho Teseu. Medeia se casou com Egeu depois de fugir de Jasão. Fugiu de Atenas para Fenícia e de lá foi refugiar-se na Ásia.

Maria Callas de Medeia, 1969, Pier Paolo Pasolini.

Finalizo aqui a compilação de duas mulheres gregas emblemáticas da literatura (apenas duas em um universo imenso!) que são notáveis para sua época. Deixo, entretanto, propositalmente, as personagens de comédias de Aristófanes de fora, já que, a proposta da comédia era fazer uma crítica social que buscava operar à beira do absurdo, para causar com mais proeminência o efeito catártico do riso e da diversão. Posto que mulheres fazerem greve de sexo (Lisístrata) ou uma Assembleia de Mulheres (Ekklēsiázousa) que mostra mulheres que se apoderam da vida política da pólis grega devia causar muito riso naquela sociedade por ser, tal comportamento, inadmissível ao sexo feminino da Atenas Clássica.

Bibliografia:

BULFINCH, Thomas. O Livro de ouro da mitologia. Ediouro Publicações, 2006, p. 355.

CAMPOS, Haroldo. Ilíada de Homero. (Trad. Haroldo de Campos; introdução e organização Trajano Vieira). 3ª Edição, 2ª Reimpressão. V. I e II. São Paulo: Editora Arx, 2002.

CARTLEDGE, Paul (org). ALVES, Laura (trad). REBELLO, Aurélio (trad). História ilustrada da Grécia antiga.  Rio de Janeiro, Ediouro, 2009, p. 543.

COELHO, Maria Cecília de Miranda Nogueira. Górgias: verdade e construção discursiva. Dissertação (Mestrado em Letras Clássicas). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.

COMMELIN, P. Nova Mitologia grega e romana. Trad. Thomas Lopes. Rio de Janeiro: Briguiet & Cia. Editores, 1947, p.448.

EURÍPIDES.  Elogio de Helena.

GÓRGIAS. Elogio de HelenaTradução de Daniela Paulinelli. Belo Horizonte: Anágnosis, 2009. [Apresenta as traduções de textos gregos realizadas pelo grupo Anágnosis, da UFMG.] Disponível em: <http://anagnosisufmg.blogspot.com/2009/11/elogio-de-helena-gorgias.html>. Acesso em: … (28/01/2019).

ISÓCRATES. Elogio de Helena.

SANTO AGOSTINHO. A Cidade de DeusTradução, prefácio, nota biográfica e transcrições de J. Dias Pereira. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian (trad. do original de 150 a.c), 2ª Ed., 2000, p. 1717-1718.

SÓFOCLES. Antígona. Tradução Millôr Fernandes. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

Revistas:

A HISTÓRIA ILUSTRADA DA GRÉCIA ANTIGA: Arte, Cultura, Filosofia. São Paulo: Editora Escala, s/d. 126 p.

CHEVITARESE, André Leonardo. A Revolução de Clístenes. In: Revista História Viva, Ano IV, Nº 58. São Paulo: Duetto, p. 26 – 31, 22 jul. 2008.

COLE, Susan. Mulheres de Atenas. In: Revista História Viva, Ano IV, Nº 58. São Paulo: Duetto, p. 38 – 41, 22 jul. 2008.

GOURBEILLON, Annie Schnapp. Tróia a Guerra de homens e deuses. Tradução de Alexandre Massella. p. 48-59. In: Revista História Viva. Ano I. Nº 6. São Paulo: Duetto, 2004.

KYRTATAS, Dimitris. Direitos, deveres e desonra. In: Revista História Viva, Ano IV, Nº 58. São Paulo: Duetto, p. 32 – 37, 22 jul. 2008a.

KYRTATAS, Dimitris. Todos os homens são iguais, mas… In: Revista História Viva, Ano IV, Nº 58. São Paulo: Duetto, p. 42 – 45, 22 jul. 2008b.

Como citar esse texto:
BORGES, Patrícia Andréa. A hora e a vez da mulher na Grécia Antiga. Portal Universo ao Meu Redor. Publicado em 28/01/2019. Disponível em: https://universoaomeuredorblog.wordpress.com/2019/01/28/a-hora-e-a-vez-da-mulher-na-grecia-antiga/. Acesso em: dia/ mês/ ano.

Amigos que mudam nossa vida – Parte 3

Amizade é uma coisa que a gente não explica, só sente.

Eu me mudei de São Paulo para São Carlos em 2014 porque estava muito sufocante viver lá. Tudo muito demorado, muito perigoso, muito depressivo. Para viver esse processo de mudança, tive muita ajuda de duas amigas de infância: a Lia e a Tatiana Lina.

A Tati me recebeu na cidade, ajudou-me a procurar casa para morar e quando me mudei, o esposo dela me ajudou a arrumar muitas coisas em casa.

A Lia me ajudou em todo processo de mudança, ajudando-me, dias antes, com o seu próprio carro, a trazer muitas coisas que precisava, além de me ajudar a limpar a casa que eu iria morar. Naquele dia, dormimos no chão do que viria a ser o meu quarto, apenas com edredons como colchão. Não há o que pague alguém dormir em um chão duro com você só para te ajudar.

No dia do meu aniversário em 2014 – foto editada.

A Gláucia foi a primeira pessoa que conheci no trabalho. Ela me recebeu com um grande sorriso no rosto e se pôs a disposição de me explicar tudo sobre o campus e mais: colocou-se a disposição do que eu precisasse. E, mais tarde, eu saberia o quanto isso foi verdadeiro e importante para mim.

Já no começo de 2015, minha saúde deu uma piorada, mas comecei a tratar, fazendo exames, indo a médicos regularmente, até que, em junho chegou ao seu ponto máximo: era preciso fazer cirurgia. Nesse meio tempo, procuramos casa para minha mãe e meu irmão se mudarem e a mudança ocorreria em julho, com a minha mãe doente também. Foram tempos sombrios.

Eu e a Glaucita – começo de 2015.

Primeiro de julho de 2015, chegou o dia da cirurgia. Eu me internei um dia antes e sempre recebendo mensagens da Gláucia para saber se eu estava bem, se precisava que ela me internasse, se eu precisava de ajuda. Sempre se pondo à disposição.

A cirurgia que era para ser tranquila, durou 5 horas e rendeu mais de 30 pontos (era para ser videolaparoscopia!). Assim que saí, foi o primeiro rosto amigo que vi, trazendo-me coisas de higiene pessoal, conversando com médico e enfermeira e perguntando quando seria minha alta. Uma amigona!!!

Eu estava bem fragilizada, chorava à toa e a mãe da moça que estava ao lado da minha cama, sentiu pena por eu ficar tanto tempo sozinha e começou a me fazer companhia, a Manuela. Como ela estava com a filha ao lado, colocava a cadeira no meio do quarto e fazia companhia para as duas, depois da Manuela, entrou a mãe da Daniela Gavassa. A Dani, assim como a Manuela, fez muita companhia para mim, além de me dar o próprio telefone para que eu pedisse ajuda quando precisasse.

Foram 3 dias de hospital, quando chegou finalmente a hora de sair. A Gláucia foi me buscar, fez todas as perguntas burocráticas para o médico, pegou a receita de remédios, foi a farmácia e comprou tudo!!! Foi uma grana que naquele momento eu não tinha e ela comprou sem pestanejar. Levou-me em casa, comprou comida e passou a fazer visitas todos os dias. Levou ainda para farmácia de alto custo para eu pegar as injeções que eu precisava tomar, levou-me para primeira perícia no INSS (e na segunda também!). Fez tudo, absolutamente tudo que podia por mim. Acionou até a visita das assistentes sociais do trabalho para irem me ver em casa. Tudo porque não queria me ver sozinha e sem estar assistida.

Eu e a Glaucita em 2018.

Nada, nada nesse mundo pode pagar amizades assim porque tudo que se pode fazer parece pouco mediante ao que se faz pela gente no momento que a gente mais precisa.

Gratidão eterna pela amizade de vocês !

Namastê!!!

Histórias de viagem – Juderías da Espanha

Judería de Toledo

Antes mesmo de sair do Brasil, o conselho que recebi de um amigo foi “Visite as juderias da Espanha”.

Caí na primeira juderia por acidente: entrei pela muralha da cidade de Córdoba e estava lá.

O retorno da judería à estação de trem.
O bairro lindo!

As ruas são lindas, o comércio é maravilhoso. Fiquei deslumbrada, andei a esmo… Comprei lembranças… Andamos, comemos e, quando vimos, era hora de voltar para estação de trem… Aí bateu o desespero: como voltar? Como sempre fui muito boa em mapas (obrigada D. Ivone!!!), peguei um mapa para me guiar (na Espanha em toda cidade que fomos, ao entrarmos no quiosque de turismo local, pedimos um mapa e a atendente, alegremente, aproveita para explicar onde são os pontos turísticos que devemos ir). E, com tranquilidade, conseguimos voltar para estação de trem.

A minha segunda judería foi a de Sevilha e realmente a procuramos (eu e minha amiga!). É um bairro lindo e, mais uma vez, com muito comércio e lojas lindas.

A minha prova de fogo foi a judería de Toledo! Estávamos procurando por ela e, quando a encontramos não acreditamos: a sua entrada era exatamente em frente ao Museu de Inquisição de Toledo.

Estávamos com tempo para entrar no bairro e sair pelas “escaleras mecánicas” para ir até a estação de trem. Foi quando eu me perdi… Eu virava o mapa, marcava nossa posição com a caneta, andava dois passos e estava perdida de novo. Foi anoitecendo e o bairro foi escurecendo, as placas de ruas estavam mais “escondidas” e o desespero foi batendo.

Já era de noite quando atingimos as escaleras mecánicas, além da sensação de alívio, teve também a sensação de desespero, pois estávamos beeeeem longe da estação de trem, mas mesmo assim, a vista da Muralha de Toledo à noite foi magnífica!!!

Nesta foto já estávamos atrás das escadas mas não sabíamos!
O desespero estava passando, mas ainda não havíamos chegado à estação, porém foi irresistível olhar para trás e não bater essa foto.

Depois de Toledo o trauma foi grande (bateu desespero mesmo, gente!!!) e minha amiga me proibiu de entrar em qualquer outra judería na minha vida!!!

As dicas desse post: viaje com alguém que seja muito bom de mapas e de localização geográfica (podem me levar sempre!!!); dica 2: cuidado com as ruas da judería de Toledo!!!

Histórias de viagem – Madrid

A famigerada “Manteiga de Cacau”.

Fomos para Espanha no inverno e, chegando, lá aquele frio da “moléstia” sentimos falta de um item valioso: a manteiga de cacau.

Eu tentava ajudar hidratando os meus lábios com o nosso maravilhoso creme do pote azul, o nívea, mas não adiantava não. Uma noite, depois no nosso maravilhoso “Tour da Inquisição Espanhola a pé” (esse passeio é incrível, fica para um outro post!!!) sentimos falta de uma manteiga de cacau, já que os lábios estavam bem ressecados.

Era mais ou menos onze e meia da noite quando entramos em uma farmácia. Eu não conseguia me lembrar do nome e como pedir a manteiga em espanhol. Fiquei confusa e o dono da farmácia só disse “Faça mímica” (os madrileños são MARAVILHOSOS com os turistas). Imediatamente passei os dedos pelos lábios e ele pegou o blister. Peguei e agradeci. Era isso mesmo que eu queria e perguntei o preço. Sorridente, ele me respondeu: 5 euros (aproximadamente, 20 reais). Comecei a falar convulsivamente: “PQP!!!! Que caro!!! Jesus, Maria, José, Meu Deus do Céu!” (aqui vai uma dica que recebi: “quem converte, não se diverte”) Minha amiga, a mulher do dinheiro, deu-me um beliscão no braço, sacou o dinheiro, pagou e agradeceu. Quando saímos do estabelecimento, quase apanhei. “Você me mata de vergonha!”. Eu estava em choque, sem nem raciocinar. Até mesmo porque eu tinha esquecido na pia do meu banheiro a minha manteiga de cacau, aquela maravilhosa que me custou um real.

Dali por diante, passei a contar tudo em manteiga de cacau: menú del día, duas manteigas de cacau e meia; compras no mercado, uma manteiga de cacau; entrada no Reina Sophia e no Museu do Prado, duas manteigas de cacau…

Quando encontrei minha amiga Giuliete e contei a história, gentilmente ela me respondeu: “Você sabe que a gente não tem cacau aqui, né? Você sabe que o cacau atravessa o continente para chegar aqui, né?” E nós caímos na gargalhada!!! (Ninguém me faz rir tanto nessa vida como a Giuliete!!! Eu olho para ela e já sei o que ela pensa, o tom da voz, o jeito de falar… Eu me divirto demais com ela!). Pois é, eu fui atrás de manteiga de cacau porque fui no automático. Lá eles usam um tipo de bálsamo perfumado que vende no El Corte Inglés que, na ocasião, dava para comprar dois por uma manteiga de cacau.

A lição que fica: quando viajar para um lugar que esteja no inverno, não esqueça a manteiga de cacau.

Lição 2: se esquecer, pergunte o que é bom para lábios ressecados e não caiam no golpe da “manteiga de cacau”.