Os heróis nos episódios notáveis de “Os Lusíadas”

Breve reflexão sobre os heróis nos episódios notáveis de “Os Lusíadas”

Introdução

A partida de Vasco da Gama para as Índias em 1947 – Alfredo Roque Gameiro (1864-1935).

Esses três cantos, conhecidos como “episódios notáveis” da epopeia portuguesa “Os Lusíadas”, coloca em pauta o caráter do herói, que está na empreitada para as Índias: um herói que assassina brutal e vilmente uma mulher indefesa; um herói que não escuta a experiência de um velho homem, para seguir um sonho de fama, glória, ambição e grandiosidade: “vã cobiça”, e um herói que reconhece que seu representante no poema, o “ilustre peito lusitano” é um ignorante das letras, porém valoroso nas armas, por isso tem licença para continuar sua viagem por meio da continuação da epopeia.

Canto III – D. Inês de Castro

Camões abre o canto III invocando a musa da epopeia a fim de cantar a genealogia heroica dos portugueses, partindo de sua localização geográfica na Europa (estância 6), até chegar à descrição de Portugal. A partir desta, passará a cantar toda a genealogia dos reis portugueses e suas vitórias: a batalha de Ourique (estância 48), a luta contra os Mouros (estância 50), a batalha de Salado (estância 107) e o episódio de Inês de Castro (estância 118).

O que mais chama atenção desta narrativa tão cheia de feitos heroicos obtidos pelas armas, por grandes batalhas e por opositores tão bons, mas que são vencidos, pois os portugueses são maiores e mais valorosos, é a narração do assassinato de Inês de Castro, mulher que, subjugada pelo sogro, Afonso IV, é morta por ser o grande amor de seu filho, D. Pedro. Ela, frágil e delicada, torna-se uma heroína romântica em plena narrativa épica (parte extremante lírica dessa epopeia). Contrapõe-se ao caráter valoroso e heroico, pois o rei manda matá-la, o mesmo rei Afonso IV que acaba de voltar vitorioso da Batalha do Salado, presta-se  a uma atitude tão pouco heroica.

O rei é pressionado pelo povo a matar a frágil Inês (Inês de Castro era uma espanhola de quem o príncipe D. Pedro se tornou amante. Essa relação causava apreensão na corte portuguesa, o que fez o rei  D. Afonso IV mandar matá-la.) que, pede  e implora por sua vida (utiliza-se até dos netos do rei, mas este tenta até perdoá-la, mas, por razões de Estado, mantém-se inflexível). Mesmo em posição de desvantagem, consegue, por meio dela, lançar críticas ferozes, apesar de camufladas, ao caráter de seus assassinos, principalmente quando estabelece uma comparação entre eles e os animais selvagens – os homens saem perdendo desonrosamente, mas ainda assim, ele manda aplicar a sentença. E, na estância 130, Camões culpa o povo e absolve o rei.

Na narrativa, Vasco da Gama, mostra-se indignado diante do assassinato, qualificando-o como cruel e covarde. Para reforçar esse aspecto, usa adjetivos constantemente carregados de criticidade e verbos, como “encarniçar”, que poderiam ser usados para animais (estância 132).

Estância 130
“Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra üa dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais – e cavaleiros?”

Estância 132
“Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
As espadas banhando, e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, férvidos e irosos
No futuro castigo não cuidosos.”

A Coroação de Inês de Castro em 1361 (c. 1849), por Pierre-Charles Comte.
Inês de Castro virou Rainha depois de morta. Há uma lenda que diz que houve até a cerimônia do ‘beija-mão’.

É possível que esse episódio dialogue com a tragédia grega Antígona, pois, assim como D. Afonso IV, o rei Creonte é obrigado a sancionar a morte da heroína, por representar o Estado.

Antígona é condenada à morte porque decide enterrar seu irmão, Polinices, que é considerado um traidor de Tebas e, por isso, tem proibido seus ritos fúnebres. A moça, contrariando o Edito de Creonte, sepulta-o e é condenada à morte. Antígona uma tragédia do Estado, onde a religião e o Estado grego se confrontam, resultando na morte da heroína que permanece firme em seguir o rito dos deuses, mas punindo até as ultimas circunstâncias aquele que acusa a heroína de ser inflexível em suas atitudes.

O caráter frio apresentado por Creonte, aparecerá na peça Antígona, demonstrando que o Estado Grego, pode se colocar, inclusive, acima da religião. Creonte acusa Antígona de inflexível, enquanto inflexível é o próprio Estado, representado por ele, porém, mostrando ser influenciável, a partir de um discurso do cego Tirésias, o qual, posteriormente, será apoiado pelo coro e tenta o persuadir. Tal fato, que o diferencia de Édipo, por um lado, aparenta certa fragilidade do governante que não mantém a sua postura, mas, por outro lado, também apresenta um governante que escuta os pedidos do povo e é capaz de mudar de opinião em função desse coro de cidadãos, considerando que este coro é composto de cidadãos e Atenas é uma democracia.

Antígona

Coro: Prudência, Créon, filho de Meneceu.
Créon: Que devo eu fazer? Fala e obedecerei.
Coro: Tira essa mulher da prisão subterrânea
            e mandar enterrar o morto profanado.
Créon: Isso é o que aconselhas? Deverei ceder?
Coro:Quanto mais depressas, ó rei, porque os
            castigos dos deuses não tardam de alcançar os réus.
Créon: Custa-me, ai de mim! Voltar atrás, mas volto,
            já que é inútil ir contra o que é necessário.
Coro: Vai fazê-lo, e já! Não confies a outrem.

Tradução de Guilherme de Almeida: Antígona (versos 1098 a 1107).
O emparedamento de Antígona, teatro, montagem de Antunes Filho (2005)

O mesmo ocorre, portanto, com D. Afonso IV, que até se inclina a absolver Inês, entretanto é pressionado pelo povo, que pede uma reparação, por medo do quê essa união ilegítima entre D. Pedro e D. Inês possa resultar ao Estado Português: medo esse edificado em 1580, oito anos após a publicação do poema épico aqui estudado e no ano de morte do próprio poeta, com a união Ibérica, resultando em um forte crescimento do nacionalismo português e na exaltação de sua pátria, que culminará em nova separação em 1640, transformando assim o povo português.

Canto IV – O Velho do Restelo

Continuando sua narrativa épica, Camões adentra o canto IV rememorando, ainda, os feitos heroicos da história dos portugueses: a batalha de Aljubarrota (estâncias 24 a 43), as conquistas da África (estância 55), a batalha de Toro (estância 58), D. Manoel e seu sonho de dominar as Índias (estância 48, 55, 61, 67, 69 a 73). Vasco da Gama narra a própria viagem (estância 79). Entretanto, antes da esquadra lusitana partir para os grandes feitos, está o episódio do  velho do Restelo:

Estâncias 94 e 95
“Mas um velho, d’aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
Cum saber só d’experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
– Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Cüa aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!”

No momento em que os navios começam a sair, um velho surge entre o povo na praia. É uma figura bastante significativa, pois simboliza a sabedoria acumulada pela experiência de vida. Constrói-se, assim, uma personagem convincente, ainda mais quando se trata de alguém que fará oposição à Expansão Marítima Portuguesa, tão elogiada no épico camoniano.

Torre de Belém, na praia de onde saiu a expedição de Vasco da Gama

A crítica do Velho do Restelo será, primeiramente, contra o que na época chamava-se “Fama” e que é entendido como prestígio social. Em sua visão, esse sentimento é responsável por inúmeros sofrimentos e desgraças, individuais e coletivos, inclusive os que serão causados pela viagem de Vasco da Gama.

A partir de então, o questionamento é dirigido ao Homem, que gosta de arriscar aquilo que até Jesus temeu perder: a vida.

Num terceiro instante, há a defesa de outro tipo de expansão, dessa vez sobre o território mouro. De acordo com o velho, tal feito garantiria aos portugueses a propagação do Cristianismo, além da aquisição de terras, riqueza e fama, o mesmo que seria alcançado com a expansão para a Ásia. A diferença é que a conquista do território árabe evitaria que esse inimigo mais próximo de Portugal, ficasse forte e perigoso.

No último passo, o inventor da navegação é amaldiçoado, o que servirá de gancho para um ataque ao desejo de superar limites – inerente a muitas invenções e descobertas, o que realmente caracteriza um herói. No entanto, o “venerando” faz uma seleção tendenciosa de personagens que com sua ousadia saíram prejudicadas, dando a entender que esse sentimento faz parte dos defeitos da condição humana. Porém esse é o motor da ação que transformará o povo português digno de ser cantado em uma epopeia tão grandiosa.

Em suma: mais uma vez, em meio a uma narrativa de conquistas, o poeta lança mão de uma personagem que critica firmemente o caráter do herói no épico português. São 10 estâncias cheias de críticas mordazes, colocando a prova o ethós (Grego: significa caráter do herói épico grego) do “peito ilustre lusitano”, cheio de sabedoria, acreditando que sua argumentação surtirá efeito.

Canto V – O Gigante Adamastor

Expedição portuguesa de Vasco da Gama e o Gigante Adamastor

Após a fala do velho do Restelo, a partida. Vem aí o canto V, no qual Vasco da Gama resume a primeira parte da viagem: o fogo de Santelmo (estância 18), a tromba marinha (estância 21), a aventura de Fernão Velloso (estância 31) e, principalmente, o Gigante Adasmastor (estância 38) “- Eu sou aquelle occulto e grande cabo/ A quem vós chamais de Tormentorio”. O Gigante narra a causa de sua monstruosa transformação: uma paixão não correspondida por uma nereida (Tétis), transforma-o em pedra. Adamastor é a personificação do Cabo das Tormentas (ou Cabo da Boa Esperança), e representa, no plano histórico, a superação do Mar Tenebroso pelos Portugueses, uma vez que se trata de uma região que alterna calmarias e terríveis vendavais, de correntes marítimas que jogavam as embarcações para as pedras. Mas, Vasco da Gama, era o predestinado para ultrapassá-lo (estância 49), com uso inclusive do astrolábio. Ao contar sua história à Vasco da Gama, o titã começa a chorar e some diante dos marinheiros, esse é o momento que o capitão aproveita para passar pela região que não havia sido transposta até então.

Esse canto é singular, pois, para dar mais valor aos heróis lusitanos, Camões coloca o Gigante Adamastor personificado em Cabo das Tormentas, que após a passagem de Vasco passa a se chamar Cabo da Boa Esperança. Ultrapassar o intransponível faz do herói muito mais forte e valoroso, digno de ser cantado em uma epopeia.

É neste canto V que Camões critica o povo que só dá valor às armas, sem valorizar aquele que canta o feito dos heróis: o poeta épico (estâncias 92, 93, 95, 97). Porém, no canto III, estância 97, o poeta já faz uma exaltação às letras, por meio de um rei letrado e valoroso, D. Dinis (estância 96) e a fundação da Universidade de Coimbra, que reforça no final do canto V, concedendo heroicidade àquele que canta o feito dos heróis “dino” de memória.

Conclusão

Esta breve reflexão traz à luz a matéria da epopeia: os feitos heroicos e as atribuições de heroicidade ao herói épico. Neste sentido, a fórmula criada pelos poemas gregos é seguida a risca: cantar feitos heroicos, trazer ‘fama imortal’ e ‘glória imperecível’ aos heróis portugueses, além do caráter pedagógico do poema, já que é preciso deixar registrado em forma de epopeia a grandeza do povo português, sendo este o maior herói da epopeia camoniana.

Aqui fica registrada a primeira heroína romântica (lírica?) da epopeia: Inês de Castro, aquela que é sacrificada pelo bem do amor e do amado, a pedido do povo. Diferente do paradigma apresentado aqui de Antígona, a qual morre por querer realizar o ritual fúnebre do irmão.

Vasco da Gama acaba por usar ardis com o Gigante Adamastor, assim como faria Odisseu em seu episódio com o Ciclope, na Odisseia. O heroi que ultrapassa o “Cabo das Tormentas”, o qual, dali por diante passa a ser designado por “Cabo da Boa Esperança”, mostra seu caráter multiastucioso ao esperar que o gigante conte sua história e, em um momento de fraqueza do gigante, ultrapasse silenciosamente pelo obstáculo.

O Velho do Restelo é, assim como Nestor, o conselheiro que sempre tenta dar bons conselhos e passar sua experiência; aquele que, teoricamente, diria a máxima “É melhor um covarde vivo do que um herói morto”. Representando algo que os gregos admiravam muito: a sabedoria do ancião, a prudência.

Para finalizar, foi selecionado um parágrafo bastante elucidativo, presente no Volume I da Ilíada, de Haroldo de Campos, Nota Prévia de Trajano Vieira:

“Em seu canto, Aquiles recorda saudosamente o tempo em que, como personagem do poema, possuía κλέος (‘glória’). Percebe que há uma equivalência entre a eternidade da poesia e a do guerreiro. Se a poesia garante a eternidade do κλέος é porque ela é eterna. Colocando de outro ângulo: o aedo necessita que seus personagens ganhem renome imperecível para que a poesia adquira sobrevida. Os prodígios heróicos são uma necessidade poética. A dramaticidade do mundo heróico reflete a dramaticidade da atividade poética pois ambos, herói e poeta, trabalham para superar a transitoriedade. Daí a insistência homérica em afirmar, a todo instante, o caráter transtemporal dos feitos heróico e poético. Diríamos que há um aspecto obsessivo na maneira como o rapsodo se concentra na temática das realizações heróicas, da qual ele não se afasta, pois é em sua valorização que seu próprio valor, enquanto poeta, perdura”.

Bibliografia.

CAMÕES, Luís Vaz de. “Cantos III, IV e V”. In: Os Lusíadas. Edição Comentada por Otoniel Mota. São Paulo, Edições Melhoramentos. 1964.

CAMPOS, Haroldo. “Nota Prévia”. In: Ilíada de Homero.Volume I. (Trad. Haroldo de Campos; introdução e organização Trajano Vieira). 3ª Edição, 2ª Reimpressão. São Paulo: Editora Arx, 2002.

ROMILLY, J. de. “Sófocles ou a tragédia do herói solitário”. In: A tragédia grega. Tradução Ivo Martinazzo. Brasília: UnB, 1998.

SÓFOCLES. Antígona. In Três tragédias gregas, tradução de Guilherme de Alemida, São Paulo, Editora Perspectiva, 1997.

VERNANT, J.P. Mito e Tragédia na Grécia Antiga .São Paulo, Ed. Perspectiva, 1999.

Como citar esse texto:

BORGES, Patrícia Andréa. Os heróis nos episódios notáveis de “Os Lusíadas”. Portal Universo ao Meu Redor. Publicado em 16/12/2019. Disponível em:   https://universoaomeuredorblog.wordpress.com/2019/12/16/os-herois-nos-episodios-notaveis-de-“os-lusiadas”/ . Acesso em: dia/ mês/ ano.

Filoctetes de Sófocles – Um breve comentário

Filoctetes em antiga cerâmica grega

PROPOSTA

A partir do texto abaixo, comente o Filoctetes de Sófocles:

“(…) Na verdadeira tragédia não pode haver sucesso, e nós realmente não o queremos; nós observamos a carreira fatal de um herói cuja obstinação condena-o à derrota, mas de quem não desejamos ver a rendição (…) no Filoctetes desejamos-lhe o sucesso (…) consequentemente nossa atenção é dirigida não apenas para a personagem central mas também para os métodos usados para influenciá-lo (…) mas no Filoctetes o método usado por Odisseu e Neoptólemo são tanto do nosso interesse quanto à reação do herói a eles, pois eles devem de algum modo ter êxito. Por esta razão, as complicações do enredo, os detalhes da intriga, pedem nossa atenção mais insistentemente do que numa tragédia de modelo normal. Eles são de fato tão vitais como eles são na comédia, onde o conflito dramático é baseado mais em incompreensões que podem se clarificadas do que em diferenças fundamentais que não podem nunca ser reconciliadas. Os métodos usados na tentativa de dominar o herói serão, em outras tragédias de Sófocles, de importância secundária, pois eles servem apenas para aumentar a intransigência do herói, mas no Filoctetes eles são de extrema importância; a escolha do método é crucial, pois aqui há métodos corretos e errados, e de algum modo o correto deve ser encontrado.”

(Knox, B.M.W. The Heroic Temper, Univ. of Cal. Press, Berkeley, 1997, p.118-9)

COMENTÁRIO

Filoctetes

Após a leitura atenta de vários teóricos sobre a tragédia em questão, Filoctetes, datada de 409 a.C., podemos perceber características não presentes em ouras tragédias de Sófocles, nas quais ocorrem transformações na conduta de uma personagem. A mudança no pensamento de Neoptólemo, que primeiramente aceita usar os ardis de Odisseu para enganar Filoctetes e, posteriormente, volta atrás, devido, inclusive, ao caráter heroico de seu pai, o guerreiro iliádico Aquiles, “que odiava como as portas do inferno o homem capaz de dissimular o seu pensamento” (Ilíada, Canto IX, v. 312). O jovem guerreiro, primeiramente aceita enganar Filoctetes, depois, com certa crise de consciência, resolve falar a verdade ao herói solitário e, inclusive, propõe-se a voltar com ele para casa, abandonando Troia.

O segundo momento, após ter sido enganado e perdido seu arco, única maneira de defesa e alimentação naquele ambiente selvagem e hostil, Filoctetes é engolido pelo mundo selvagem, passando de caçador (civilizado) e utilizador do fogo culinário, para caça: “os bichos que eu caçava me caçarão por sua vez” (Filoctetes, v. 955-958).

A lenda de Filoctetes era, para Sófocles, uma trama essencialmente simples:

“relegado em Lemnos depois de ter sido picado por uma serpente, coxeando e exalando um odor insuportável, mas possuidor do arco infalível de Héracles, Filoctetes permanece exilado durante 10 anos, até o dia em que uma expedição grega o reconduz a Troia, onde será curado. O adivinho Heleno, capturado por Odisseu, revela que só sua presença e a do arco assegurariam a tomada de Troia”.

Vernant & Vidal-Naquet, Jean Pierre e Pierre. O Filoctetes de Sófocles e a Efebia. In: Mito e   Tragédia na Grécia Antiga. Editora Perspectiva, São Paulo, SP. 1999. Verso 221 (http://data.perseus.org/citations/urn:cts:greekLit:tlg0011.tlg006.perseus-grc1:219-254)
A Caverna de Filoctetes – Lemnos by Yianni Kyriazis

Possuidor de uma μέτις inigualável, Odisseu convence Neoptólemo a enganar Filoctetes e o jovem guerreiro, não só por idade, mas por obediência, compactua com a mentira: “ouvires, obedece, já que és um subordinado/ Então o que ordenas?” (Filoctetes, v. 53-54). Com a continuidade da tragédia e sua relação com o herói (e talvez pela amizade de Odisseu com Aquiles), Neoptólemo volta atrás e, depois de ter tomado as armas de Filoctetes, enquanto este dormia, devolve-as, demonstrando a lealdade e o caráter de um guerreio da linhagem de Aquiles, como é várias vezes exaltado pelo próprio Filoctetes.

A solidão do Filoctetes de Sófocles é total: “ele vive numa terra sem abordagem e sem habitante (οὔτ᾽ εὔορμον οὔτ᾽ οἰκουμένην)”[1]. A ilha é deserta e o “coro é formado pela tripulação do barco grego”[2]. O tragediógrafo Sófocles dá ao filho de Aquiles, Neoptólemo, papel essencial na trama:

“é a ele que Odisseu encarrega de, pela astúcia, se apossar do arco e da pessoa do herói. A maior parte da peça é constituída de diálogos entre Filoctetes, o herói envelhecido, exilado há dez anos e ferido, e o adolescente, cuja jovialidade é a todo instante sublinhada”.

Vernant & Vidal-Naquet, Jean Pierre e Pierre. O Filoctetes de Sófocles e a Efebia. In: Mito e Tragédia na Grécia Antiga. Editora Perspectiva, São Paulo, SP. 1999.

A solidão de dez anos envolvia inclusive a falta de escutar o idioma grego, quando começa a conversar com o filho de Aquiles, relata que o som lhe é “caríssimo” (Filoctetes, v. 234-235).

Há, aqui em Filoctetes, a retomada de uma questão bem explorada por Sófocles em outras peças: o civilizado X o selvagem, desta vez, o civilizado Filoctetes é abandonado no mundo não civilizado, Filoctetes é, propriamente falando, “asselvajado” (ἀπηγριωμένον), o vocabulário que o caracteriza é o que define a selvageria animal[3].

Algo a ser ressaltado reside em uma fala de Neoptólemo: “onde o pior tem mais força que o bom/ e enfraquece a honestidade e o fraco domina,/ a estes homens jamais terei afeição./ A rochosa Ciros será para mim o bastante/ no futuro, de forma a me aprazer em casa”. Neoptólemo parece falar dele mesmo, ao invés de falar de Filoctetes e de sua situação em relação aos atridas.

Neoptólemo

O jovem guerreiro apresenta, ao longo da tragédia, crises de consciência no que tange a enganar Filoctetes. Entretanto, é com muita humildade que se revela ao guerreiro dono das armas de Héracles: “Vou reparar o que fiz de errado” (Filoctetes, v. 1224). “Então não é possível que se mude de opinião?” (Filoctetes, v. 1269), mas este também percebe a influência de Odisseu, multiardiloso e multiastucioso, no comportamento de Neoptólemo: “Tu não és sórdido, mas por homens sórdidos instruído” (Filoctetes, v. 971).

Outro ponto a ser ressaltado é que, apesar de ser conhecedor do oráculo que envolvia o retorno de Filoctetes à Troia, Neoptólemo não conta a Filoctetes, ao invés disso, tenta persuadi-lo de todas as formas e com todas as argumentações possíveis. Entretanto, era preciso manter esse segredo para coerência da narrativa. Essa ferramenta de Sófocles é o que pode proporcionar a reviravolta (Περιπέτεια) da tragédia, fazendo com que os espectadores torçam pelo herói doente e suas pazes com a heroicidade, que lhe é de direito. Não é possível ir contra os oráculos dos deuses, é preciso que eles se realizem:

“entre os direitos dos deuses e os do Estado, abriam-se abismos, surgiam conflitos, e operavam-se tomadas de consciência. É por isso que os personagens da epopeia passam a ser, na obra de Sófocles, os porta-vozes de um mundo novo: eles apresentam problemas que a lenda ignorava, e encarnam um ideal que exigia mais do homem, incessantemente, tornando-o sempre mais o juiz único de seus deveres.”

ROMILLY, J. de. Introdução, Capítulo I e Sófocles ou a tragédia do herói solitário. In: A tragédia grega. Tradução Ivo Martinazzo. Brasília: UnB, 1998.

“Essa tragédia é puramente dedicada a um problema moral: mentir, roubar. Neoptólemo primeiro hesita, depois aceita. A peça inteira resume-se no relato desse conflito vivido por ele: ele é piedoso, honesto, não pode ludibriar esse homem solitário. O ardiloso Odisseu, levado por razões de Estado, tenta impor-se ao jovem e puro, que finalmente foge ao compromisso: “A honestidade aqui vale muito mais que a habilidade” (Filoctetes, v. 1246). Iniciado no prólogo, o grande debate moral entre competência e honra mantém-se até a última decisão, tomada, como sempre, em favor do heroísmo.”[4]

DEUS EX MACHINA: UM ARTIFÍCIO DE SÓFOCLES

Héracles, o deus ex machina de Filoctetes

Todos os teóricos estudados para este comentário escreveram que Herácles surge no final da narrativa como um deus ex machina para resolver a aceitação de Filoctetes em voltar à Troia e cumprir o oráculo: “Ó tu que envias a desejada voz,/ e tardio apareces,/ não desobedecerei às tuas palavras” (Filoctetes, v. 1445-1447). Contudo, parece que o deus aparece no final da tragédia para dar conta da coerência. Aos expectadores já era esperado o final, com o retorno do herói, que irá ser imortalizado matando Páris Alexandre, esse retorno deveria ser maravilhoso, para tanto, era necessário para Sófocles mostrar um “algo a mais”, e nada mais deificado do que surgir o próprio deus, que é falado na peça toda, por ter dado suas armas a Filoctetes, para que, ele mesmo convença o herói a voltar à luta e a defender os aqueus. Héracles, portanto, aparece ex machina, de cima (talvez de um guindaste?), do Olimpo, como uma aparição divina que aconselha e resolve a trama. Assim como Aquiles teve seus motivos, tanto para sair como para retornar à batalha, aqui Filoctetes vai simplesmente “fazer as pazes” com o divino e tornar-se um herói épico imortal.

CONCLUSÃO

Efígie de Sófocles no Teatro Nacional de Manheim, Alemanha

É característico na obra sofocliana heróis que são intransigentes, mantendo suas posições até que a ação da peça seja consumada. E, quando voltam atrás, a situação é tragicamente irreversível[5]. Mas, há também aqueles que não voltam atrás, de forma alguma e a resultante da ação é a automutilação (Édipo Rei) ou o suicídio (Ájax).

Em Filoctetes, Sófocles foge ao seu tradicional: duas personagens mudam de opinião e atitude: primeiro Neoptólemo, que prefere a verdade aos ardis de Odisseu, para convencer Filoctetes à voltar para o campo de batalha, em Troia; Segundo, o próprio herói, que por uma força sobrenatural e divina – Héracles como deus ex machina – é convencido a voltar, sem que isso coloque em pauta sua condição heroica, fazendo com que o drama termine com “final feliz”, o que não é comum nas tragédias de Sófocles.

E muito mais, a matéria da tragédia passa a ser os anos de solidão, abandono e sofrimento da personagem principal (ele tinha uma ferida purulenta na perna, resultado de uma mordida de cobra, que causava mau cheiro, porém, não o havia matado), além do que, os gregos tentam novamente enganá-lo[6]. Contudo, dessa vez, para roubar suas armas. A perniciosa astúcia de Odisseu, por meio do efebo Neoptólemo, vai tentar ludibriar Filoctetes, mas Neoptólemo irá se redimir retomando a moral e os valores éticos pertinentes a um herói homérico.

O caráter da mudança, que é tão explorado em Ájax (outra tragédia de Sófocles), que prefere se suicidar ao se adaptar a uma nova realidade, a perene continuidade de algo que é tão transitório, entretanto constante, explicitado nos versos 669 a 677 de Aias[7], permite exemplificar a presença da mudança, principalmente, nos fenômenos da natureza e no seu ciclo natural: as estações do ano, o dia e a noite e assim por diante. Em Filoctetes, ela é brindada, com a já citada, mudança de atitude das personagens Neoptólemo e o próprio Filoctetes.

Algo que não pode ser deixado de lado é a solidão do herói sofocliano, tão bem esclarecido por Jacqueline de Romilly: “todos os seus heróis são mais valentes que o natural; e todos se debatem na solidão que seu heroísmo exige”. Filoctetes é o herói que permanece durante dez anos em solidão, privado da companhia humana (ele fica feliz quando escuta o som do idioma grego sendo falado pelo jovem Neoptólemo), trazendo à tona seu lado mais selvagem. A única coisa que permite ao herói não voltar ao estado de natureza é seu arco e flecha, com o qual consegue estabelecer o único contato com a civilização: é o que o diferencia dos bichos da ilha, ele ainda é o caçador, portanto perdendo suas armas ele perde seu traço de civilidade e pode passar a ser caçado. Ou seja, Filoctetes não é só o herói que luta para sobreviver, mas é o homem que luta para continuar civilizado.


[1] Vernant & Vidal-Naquet, Jean Pierre e Pierre. O Filoctetes de Sófocles e a Efebia. In: Mito e   Tragédia na Grécia Antiga. Editora Perspectiva, São Paulo, SP. 1999.

[2] Idem

[3] Vernant & Vidal-Naquet, Jean Pierre e Pierre. O Filoctetes de Sófocles e a Efebia. In: Mito e   Tragédia na Grécia Antiga. Editora Perspectiva, São Paulo, SP. 1999. Sua morada é uma caverna animal, αὔλιον (verso 19), αὐλίῳ (verso 954), αὔλιον (verso 1087) e αὐλίων (verso 1149). Ver também o verso 1321, ἠγρίωσαι, “tu fizeste de mim um selvagem”.

[4] ROMILLY, J. de. Introdução, Capítulo I e Sófocles ou a tragédia do herói solitário. In: A tragédia grega. Tradução Ivo Martinazzo. Brasília: UnB, 1998.

[5] Cito aqui a personagem Creonte em “Antígona” que, quando volta atrás na atitude de matar a heroína, influenciado pelo coro, já a encontra morta. Tradução de Guilherme de Almeida, dos versos 1098 a 1107.

[6] A primeira vez que os dânaos o logra, é quando o abandonam, dormindo, em Lemnos, 10 anos antes, já doente.

[7] Tradução feita por  Flávio Ribeiro de Oliveira, em sua dissertação de mestrado.

Teatro de Epidauro – Grécia 2019

BIBLIOGRAFIA:

CAMPOS, Haroldo. “Canto IX”. In: Ilíada de Homero.Volume II. (Trad. Haroldo de Campos; introdução e organização Trajano Vieira). 3ª Edição, 2ª Reimpressão. São Paulo: Editora Arx, 2002.

FREIRE, António. “Sófocles”. In: O Teatro Grego. Braga, Publicações da Faculdade de Filosofia, 1985.

KITTO, H.D.F. “Filoctetes”. In: Tragédia Grega: Estudo Literário. Volume II. (Trad. E prefácio do Dr. José Manuel Coutinho de Castro). Coimbra. Arménio Amado – Editora – Coimbra. 1990.

OLIVEIRA, Flávio Ribeiro de. Dissertação de Mestrado – Aias de Sófocles. FFLCH, USP, 1994.

ROMILLY, J. de. “Introdução”, “Capítulo I” e “Sófocles ou a tragédia do herói solitário”. In: A tragédia grega. Tradução Ivo Martinazzo. Brasília: UnB, 1998.

SANTOS, Fernando Brandão dos. Dissertação de Mestrado – Filoctetes. FFLCH, USP, 1990.

SEGAL, Charles. “Philoctetes: The Myth and the Gods”. In: Tragedy and Civilization: An Interpretation of Sophocles. Cambridge, Harvard University Press (Oberlin College), 1981.

VERNANT, J.P. Mito e Tragédia na Grécia Antiga .São Paulo, Ed. Perspectiva, 1999.

Para baixar o livro: https://talkingreek.wordpress.com/2017/03/03/sofocles-teatro-completo-download/ .

Para ler o resumo da peça: https://www.trajanovieira.com/filoctetes-de-sofocles/ .

Para ler o texto da tragédia em grego: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3atext%3a1999.01.0193

Para ler o texto da tragédia em inglês: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3atext%3a1999.01.0219

BORGES, Patrícia Andréa. Filoctetes de Sófocles – Um breve comentário. Portal Universo ao Meu Redor. Publicado em 11/12/2019. Disponível em:  https://universoaomeuredorblog.wordpress.com/2019/12/11/filoctetes-de-sofocles—um-breve-comentario/. Acesso em: dia/ mês/ ano.

Medeias de Eurípides e Pasolini

Maria Callas, Medeia, 1969, Pier Paolo Pasolini.

Primeiramente, é necessário dizer que os gregos quando compunham suas tragédias, normalmente tomavam os temas da tradição mitológica[1]. Contudo, a mitologia grega não compunha um caráter canônico, um livro único e oficial. Na verdade, a origem do mito é da cultura oral: não havia apenas uma Medeia, mas Eurípides, quando escreveu a peça para o concurso, não só reuniu os mitos como, também, acrescentou uma novidade: ela assassinou os filhos. Nenhuma versão anteriormente a de Eurípides relata que Medeia mata seus filhos para se vingar de Jasão. A inovação dos dramaturgos era comum e aceitável, pois o espectador já conhecia o mito e ia à representação dramática exatamente para ver como o tragediógrafo contaria aquela história. Portanto, foi por meio de Eurípides que a história de Medeia ficou “engessada” no mito criado para o espetáculo.


Encontro de Jasão e Medeia, Amor entre eles. Uma cena do prelúdio da tragédia de Eurípides. Medeia 350-340 a.C. Local: Museu Arqueológico Regional Eoliano, Itália. (tradução livre)
https://www.alamy.com/meeting-of-jason-and-medea-amor-between-them-a-scene-from-the-prelude-of-euripides-tragedy-quot-medeaquot350-340-bce-crater-sicilian-production-detail-of-10-03-07-12-location-museo-archaeologico-regionale-eoliano-lipari-isle-of-italy-image206648614.html

Outro aspecto que é importante salientar é que a tragédia que nos chega, até o presente momento, é a tragédia recompilada na idade média, pois as tragédias da época eram escritas em papiros, material que é extremamente perecível. Além do mais, através do tempo, ocorreram várias inserções e erros de copistas, até que realmente o texto fosse “fixado”. Em aproximadamente 200 a.C. foi estabelecida a edição de Alexandria, cujo editor foi Aristófanes de Bizâncio, o gramático, que analisou e retirou interpolações desnecessárias e os erros evidentes dos copistas.

Se o teatro é o espetáculo da catarse[2], nada mais didático do que mostrar e demonstrar o que não deve ser feito, ou seja, o caráter pedagógico, o contraexemplo. Para isso, a personagem principal deve ser o avesso do exemplo a ser seguido pelas mulheres da Atenas do século V a.C. Sendo assim, a Medeia de Eurípides se torna o παραδεῖγμα do que não deve ser seguido, ainda mais se a considerarmos como bárbara na terra grega. O uso “deux ex machina”[3], por estratégia do tragediógrafo, servia para demonstrar não só que Medeia não era regida por estatutos normais, devido à sua origem, mas também, para desvelar o quão inverossímil é a interferência dos deuses nas resoluções humanas. Portanto, o “deux ex machina”, também utilizado por Pasolini na cena final, na forma de um sol escaldante, faz parte do pacote do contraexemplo a ser explicitado na pólis grega. Assim, Medeia é a mulher, feiticeira, em terra estrangeira (repudiada no novo lar), que fere as regras da hospitalidade (271-276) e mata sua prole:[4]

A ti, tenebriforme furiosa com o marido
Medeia, editei que desta terra tu saias
banida, levando contigo os dois filhos
e sem demora, como sou juiz da razão
disto aqui e não regressarei ao palácio
antes de te exilar dos termos da terra.
(TORRANO, 1991)

Medeia é mais, pois não se pode negar o poder persuasivo e retórico da protagonista, ela manipula e faz de Jasão um joguete de seus e para seus interesses. É um ἀγόν[5] dialógico entre Medeia e Jasão, pois este também possui atributos dos discursos sofistas do tempo de Eurípides. De forma ardilosa, a protagonista engendra e tece o destino de Gláucia e de seus filhos, contando ao coro (cena que aparece na íntegra no filme) de forma direta todos os passos que dará (772-799):

Já te direi todos os meus cuidados,
acolhe, porém, não por prazer, as palavras.
Enviando um de meus fâmulos a Jasão,
pedirei que ele venha à minha vista.
Quando vier, eu lhe direi com brandura
que assim também penso e que está bem;
as núpcias régias, que a nos trair contraiu,
são convenientes e bem as reconhecemos.
Pedirei que meus filhos permaneçam,
não para deixá-los em terra hostil
à mercê de inimigos a ultrajá-los,
mas para matar a filha do rei dolosamente.
Enviarei os filhos com dádivas nas mãos
à noiva, para que os não exile desta terra,
véu sutil e coroa de ouro trabalhado.
Se ela puser sobre a pele esse adorno,
terá morte maligna e quem mais a tocar,
com tais drogas untarei as dádivas.
Aqui todavia altero esta fala:
deplorei que ação há de ser feita
por mim, doravante: matarei os filhos
meus, ninguém há que os livrará disso.
Arruinarei todo o palácio de Jasão
e irei da terra, pela morte dos filhos
foragida, capaz da ação a mais ímpia,
pois incapaz do riso de inimigos, amigas!
Eia! Que me lucra viver? Nem pátria
nem palácio tenho, nem refúgio de males.
(TORRANO, 1991)

Apesar desta breve descrição, Medeia vive um conflito interno: ela ama os filhos, como aparece nos versos 1019-1023, 1040-1048, 1057-1061, 1069-1080. Todavia, ela pretende vingar-se de Jasão, como exemplifica os versos entre 1397-1398, 1351-1360, 1363-1372, respectivamente:

Assim agirei. Mas vá para o palácio,
provê aos filhos como cada dia precisa.
Ó crianças, crianças, tendes ambos cidade
e palácio, onde ao me deixarem mísera,
residireis para sempre sem a vossa mãe.
(vv. 1019-1023, TORRANO, 1991)

Pheû pheû! Por que me fixais, ó crianças?
Por que sorris para mim o último sorriso?
Aiaî! Que fazer? A coragem some, ó mulheres,
quando vi o olhar límpido das crianças.
Eu não poderia. Digo adeus às decisões
anteriores, levarei meus filhos desta terra.
Por que ferir o pai destes com estes males
e obter eu mesma duas vezes tantos males?
Eu não mesmo! Digo adeus às decisões.
(vv. 1040-1048, TORRANO, 1991)

Deixa-os, ó mísera, poupa os filhos!
Lá, vivos, entre nós, eles te alegrarão.
Ó Numes ínferos sem-latência junto a Hades,
nunca será de modo que eu permita
aos inimigos ultrajar os meus filhos!
(vv. 1057-1061, TORRANO, 1991)

Quero falar com os filhos. Ó crianças,
dai de acariciar à mãe a mão destra.
A mais amada mão, a mais amada boca,
ó figura e rosto nobre das crianças,
sede felizes ambos, mas lá; aqui porém
o pai suprimiu. Ó doce abraço,
ó meiga pele e hálito suave dos filhos!
Ide! Ide! Não posso contemplar-vos
mais, mas sou vencida por males.
Sim, compreendo quais males farei.
O furor é superior à minha decisão,
ele causa os maiores males aos mortais.
(vv. 1069-1080, TORRANO, 1991)

Ó filhos queridos!
Pela mãe, não por ti!
Tu os mataste!
Para te punir.
(vv. 1397-1398, TORRANO, 1991)

Longamente eu me estenderia contra tuas
palavras, se Zeus pai não conhecesse
o que de mim sofreste e o que fizeste.
Tu, por desonrar meu leito, não devias
Passar a vida prazenteira a rir de mim,
nem a tirana, nem quem te deu a noiva,
Creonte, impune banir-me desta terra.
Ademais, se queres, chama ainda leoa
e Cila que habita a planície tirrênia.
Contra golpeei teu coração como é preciso.
(vv. 1351-1360, TORRANO, 1991)

Ó crianças, que maligna mãe tivestes!
Ó filhos, que vos perdestes por mal paterno!
Não minha destra, porém, destruiu-vos.
Mas o ultraje e as tuas novas núpcias.
Ao leito deste o valor de seu massacre?
Parece-te que para a mulher é uma dor leve?
Para a prudente. Tu tens todos os males.
Estes não vivem mais, isto te magoará.
Eles vivem, poluidores de tua cabeça.
Deuses sabem quem principiou o mal.
(vv. 1363-1372, TORRANO, 1991)

É possível perceber, em diversas passagens, que Medeia titubeia, fica em dúvida de seus objetivos e propósitos, tal como a Medeia de Pasolini, que mostra essa ambiguidade da personagem. Porém, ela faz o que deve ser feito e realiza seu objetivo.

O filme Medeia, de Pier Paolo Pasolini, põe em evidência discursos históricos estabelecidos como lógicos. A imagem de Medeia em seu país, no início do filme, no momento do sacrifício do jovem que é esquartejado, remonta ao mito grego que não aparece na tragédia de Eurípides, além de antecipar aos fatos da atração por Jasão, o roubo do Velocino de Ouro e da morte do irmão por Medeia, Absirto, o qual é recolhido pelos moradores da Cólquida, conforme a feiticeira joga seus pedaços no momento da fuga. No filme, ainda, Medeia dialoga com o seu avô, Sol, em dois momentos: no início e, quando resolve matar Gláucia, Creonte e seus filhos, por vingança a Jasão, demonstrando o caráter mítico da personagem e sua estirpe, retomando, assim, um preceito das tragédias pelos gregos, o uso do mito.

Margaret Clementi, Gláucia, Medeia, Pier Paolo Pasolini, 1969.

Pasolini “assimila alguns elementos arcaicos por parte do mundo moderno, o momento preciso da síntese” (FUSILLO, 1996 apud MACIEL, 2005) e, diz o próprio cineasta, “A incerteza existencial da sociedade primitiva permanece como categoria da angústia existencial ou da fantasia, na sociedade evoluída” (FUSILLO, 1996 apud MACIEL, 2005). É assim que ele trará Medeia à modernidade, fazendo uma releitura da tragédia que, saindo da superfície dos conflitos, busca os seus significados míticos. Para tanto, Pasolini associará as imagens e sons que, extrapolando os significados contidos no texto dramático de Eurípides, apontarão para uma nova leitura da obra dramática. A entrada desses recursos utilizados por Pasolini fará com que o espectador, tal qual o espectador grego do século V a.C., utilize dos 5 sentidos para a catarse, trazendo, por meio delas, o mundo antigo em suas paisagens, máscaras, atualizando o caráter histórico e atribuindo-lhe modernidade na releitura pasoliniana.

Esse caráter de permanência, ou seja, de presença atualizada, aponta para uma análise da comparação entre os dois textos pelo ponto de vista da realização de uma tradução, na qual não se pode deixar de observar o reforço pasoliniano de evitar qualquer resquício de melancolia, qualquer exacerbação valorativa do Clássico.

(MACIEL, 2005)

Considerando isto, é possível afirmar que há simetria entre a Medeia de Eurípides e a de Pasolini, pois ambas são trazidas para o momento presente de sua representação. Para tanto, Eurípides traz uma Medeia enraivecida, cheia de πάθος; já Pasolini, apresenta-nos uma Medeia sempre bárbara, cuja origem não se perde. E, sendo assim, as duas “Medeias” agem por uma “justiça cara ao deus” e para vingar-se “dos inimigos”.

É importante destacar a “modernidade” de Eurípides para sua época: o tragediógrafo inserido no movimento sofista transporta sua filosofia para o teatro, trazendo ao público as discussões que moviam as ações humanas, além da descaracterização dos deuses pelo caráter mítico inserido por Homero e exemplificado por Heródoto.

Heródoto é o primeiro historiador da Grécia Antiga, sendo que, as coisas que ele não sabia explicar, recorria ao mito e, assim, a história estaria contada. É o historiador que se põe entre Homero, totalmente mágico, no sentido de mítico, e Tucídides, totalmente pragmático, para tanto destaca no prefácio do livro I:

De fato, os acontecimentos anteriores e os mais antigos ainda, dado o recuo do tempo, era-me impossível estabelecê-los com clareza, mas pelos indícios, a partir dos quais, num exame de longo alcance, cheguei a uma convicção, julgo que não foram importantes, nem quanto as guerras nem quanto ao mais.

(TUCÍDIDES, I-2)

Não que o historiador despreze o mito, ele até o revisita, porém busca racionalidade para explicá-lo e colocá-lo no contexto histórico:

[…] Vemos que ele partiu com o maior número de navios e os forneceu aos arcádios, conforme nos indica Homero, se é que para alguém o seu testemunho é suficiente.

(TUCÍDIDES, III-3)

Para Tucídides, Heródoto não escreve a verdade, pois ele não busca testemunha e não usa o método correto:

A tal ponto é negligenciada a pesquisa da verdade pela maioria dos homens que se inclinam para versão corrente […] , nem que os logógrafos compuseram visando ao que é mais atraente para o auditório de preferência ao que é verdadeiro, pois não é possível comprovar esses fatos e a maioria deles, sob a ação do tempo, ganhou um caráter mítico que não merece fé; poderia julgá-los, porém, por critérios que são os mais evidentes para os fatos antigos, suficientemente estabelecidos.

(TUCÍDIDES, XX-3)

Sendo assim, Tucídides critica seu antecessor, elimina o caráter fabular da história e, ainda, destitui-a de uma visão cíclica.

[…] mas, se todos quantos querem examinar o que há de claro nos acontecimentos passados e nos que um dia, dado seu caráter humano, virão a ser semelhantes ou análogos, virem sua utilidade, será o bastante.

(TUCÍDIDES, XXII-4)

Tendo estabelecido estes pontos, destaca-se o momento em que Eurípides desenvolve suas tragédias.

Já Pasolini desconstrói a tragédia de Eurípides: todavia, é uma forma de releitura que opta o diretor, pois trata o texto grego antigo com uma exemplar modernidade. O cineasta, em dado momento do filme, representa a conversa da protagonista do coro tal como aparece na tragédia e, presume-se, que tenha sido representada no mundo antigo: Medeia conversa com o coro, o qual responde, cantando (em Pasolini, lamentando) e dançando. Neste momento, a personagem conta ao público seus planos, depois de ter retornado a antiga magia e conversado com o Sol. Outro aspecto interessante é que, no filme, a magia bárbara de Medeia está presente em suas roupas antigas, da época de sua terra natal, como se ela voltasse a ser a mesma, com o mesmo poder de outrora. Poder este que é repudiado, tanto na peça como no filme, como práticas bárbaras que põe medo em toda população de Corinto.

A Medeia de Pasolini não carrega as afeições humanas da euripidiana, tão importante para o século V a.C. Para o cineasta, a Medeia proposta é que ela esteja além do bem e do mal proposto pelo tragediógrafo grego, mas é possível perceber que a Medeia de Pasolini é tão fria quanto a de Eurípides: ela mata de forma fria o irmão que a ajuda a roubar o Velocino, além de jogar os pedaços dele enquanto foge com Jasão. Ela demonstra um caráter que propicia ao espectador perceber que ela é capaz de qualquer coisa por um objetivo.

Razão e sentimento se revezam no filme tal como na peça; como também o valor do mítico, quando Jasão entrega o Velocino ao tio, diz: “Esta aí, mas acho que só tem “força” na terra de onde veio”. Portanto, há uma transposição: tanto o Velocino como Medeia só são fortes no estrangeiro, pois fora de seu lugar de origem, o caráter mágico perde seu efeito.

O Jasão de Pasolini subestima o poder mágico de Medeia, apesar do Centauro tê-lo avisado dos poderes inerentes da protagonista. Jasão acaba por representar uma característica importante do homem do século V a.C., mesmo em Pasolini, a representação do pensador sofista que descrê das potencialidades divinas.

Guiseppe Gentile, Jasão, Medeia, Pier Paolo Pasolini, 1969.

Nesse sentido, Pasolini tenta se afastar de Eurípides, mas se reaproxima de forma sutil, pois estabelece a cisão do mundo arcaico, religioso e bárbaro representado por Medeia; e Jasão um herói racional e pragmático, para o texto grego e o filme.

Esse ritual cindido do religioso-mítico, tão repudiado pelos sofistas e tão bem retratado por Pasolini, choca com o início da cena do sacrifício humano que, para os gregos, é feito como um movimento de interação do homem e na natureza, como um pedido-agradecimento à fertilidade. Para tanto, Pasolini e Eurípides (apesar dessa cena não existir na tragédia) recriam e repudiam o barbarismo de Medeia, retomando assim para Eurípides o contraexemplo, ou seja, aquilo que deve ser repudiado pela pólis grega por ser exemplo de barbarismo, mesmo sendo um sacrifício ao deus para dar fertilidade à terra inóspita.

Ao chegar à terra de Jasão, Medeia é privada de suas roupas originais, passando a usar a vestimenta de sua nova terra, tentando assim “apagar” seu passado e sua descendência. Porém, a relação de Medeia com o sagrado não pode ser apagada, apesar de ela renunciar tudo em nome do amor de Jasão, o qual não dá mostras de se interessar por sua vida espiritual, reafirmando, no filme, a posição da mulher vivida no século V a.C., e a questão das uniões: são totalmente comerciáveis e utilitárias, pois Medeia não passa de um “meio” para Jasão atingir o seu “fim”.

Sendo assim, tanto Pasolini quanto Eurípides abordam fatores comuns: as relações da pólis grega com o estrangeiro, ou seja, com o bárbaro e da forma como ambos abordam o tema do estrangeiro. A Atenas do século V a.C. é o lugar do apogeu cultural e filosófico de toda a Grécia, além de sua supremacia econômica. Com este sentimento de superioridade nas artes e na economia, muito mais do que uma nova forma de pensar reivindicada pelos sofistas, Eurípides recria o mito de Medeia, trazendo à cena o universo mágico e primitivo daqueles que não eram gregos, por isso inferiores.

Portanto, o civilizado e o primitivo é contraponto, tornando-se

“patente, no discurso de Jasão, as qualidades retóricas de Eurípides e a influência que sofreu por parte dos sofistas de seu tempo.[…] Eurípides transforma-o num homem de seu tempo, um ateniense comum, sem escrúpulo […]”.

(HIRATA, 1991, p.15)

E, continuando assim, marca em uma fala de Medeia a incredulidade de Jasão aos deuses (492-495).

Das juras a fé se foi, nem posso perceber
se crês que Deuses enfim não valem mais,
ou novas leis vigem entre homens agora,
já que és consciente de que me és perjuro.
(TORRANO, 1991)

Tal como a própria cidade de Atenas, por meio de seus filósofos e historiadores, passam a marcar a importância do homem grego em detrimento à interferência dos deuses em suas vidas. Todavia, essa transição religiosa é gradativa, pois Eurípides marca essa força nos povos bárbaros por meio de Medeia.

Pasolini marca fortemente essa não-existência de deus para Jasão, eliminando da personagem qualquer influência divina, demonstrando a plena racionalidade demonstrada por Eurípides, Platão e Tucídides, passando com que o homem buscasse as respostas na terra e não nas divindades. Medeia, tanto para Eurípides como para Pasolini, está no mundo mítico de Homero. Portanto, passa também a ser uma contraposição do novo e o antigo; civilizado x primitivo, racional x mítico, divino x real, tal como propõe Tucídides acerca de Homero e Heródoto.

Portanto, conclui-se que Pasolini recria a obra de Eurípides, pairando sobre esta em alguns momentos e, em outros, adentrando-a em seus aspectos culturais, históricos e antropológicos. O cineasta traz ao cinema a dualidade do mundo antigo para qual Eurípides usa como ensinamento, por meio do exemplo imposto ao estrangeiro na figura de Medeia. Jasão representa o próprio ateniense que passa a desacreditar no divino para “examinar” a natureza e procurar por “testemunhas”, como propõe Tucídides. Sendo assim, Pasolini retrata o pensamento euripidiano, sofista e desapegado aos deuses do homem grego do século V a.C.


[1] Para Apolodoro “mitografia não cria, arregimenta”; Para Homero, existe o verbo grego μυθολογέω, contar, relatar; pois, μυθολογέω é um termo posterior. Consideraremos, neste trabalho, μυθολογίᾳ como abordagem de mito por um ponto de vista. Todavia, o percurso léxico é difícil.

[2] Aristóteles. Poética, 1449β24.

[3] Resolução divina para o desfecho de uma tragédia. Na Medeia grega, na última cena, o avô de Medeia, o deus Sol, resgata-a em seu carro, para que esta fuja da ira de Jasão.

[4] Todas as traduções apresentadas neste trabalho são da tradução de JAA Torrano, 1991.

[5] Embate de forças entre dois personagens, por uma supremacia de poder.

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https://filosofema.files.wordpress.com/2008/05/aristoteles-metafisica-etica-a-nicomaco-poetica-colecao-os-pensadores.pdf . Acesso em: 17 mai. 2019.

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TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso Livro I. Texto grego estabelecido por Jacquelini de Romilly. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

VERNANT. J.P. Mito e sociedade na Grécia Antiga. Trad. Myriam Campello. 2 ed. Rio de Janeiro, José Olympio.

FILME:

Medéia. Direção e roteiro: Pier Paolo Pasolini. Produção: San Marco SpA (Roma), Le Films Number One (Paris) e Janus Film und Fernsehen (Frankfurt). Produtores: Franco Rossellini; Marina Cicogna. Filmado em maio-agosto 1969. Duração: 110 min.

Como citar esse texto:
BORGES, Patrícia Andréa. Medeias de Eurípides e Pasolini. Portal Universo ao Meu Redor. Publicado em 17/05/2019. Disponível em: https://universoaomeuredorblog.wordpress.com/2019/05/17/medeias-de-euripides-e-pasolini/. Acesso em: dia/ mês/ ano.