Os heróis nos episódios notáveis de “Os Lusíadas”

Breve reflexão sobre os heróis nos episódios notáveis de “Os Lusíadas”

Introdução

A partida de Vasco da Gama para as Índias em 1947 – Alfredo Roque Gameiro (1864-1935).

Esses três cantos, conhecidos como “episódios notáveis” da epopeia portuguesa “Os Lusíadas”, coloca em pauta o caráter do herói, que está na empreitada para as Índias: um herói que assassina brutal e vilmente uma mulher indefesa; um herói que não escuta a experiência de um velho homem, para seguir um sonho de fama, glória, ambição e grandiosidade: “vã cobiça”, e um herói que reconhece que seu representante no poema, o “ilustre peito lusitano” é um ignorante das letras, porém valoroso nas armas, por isso tem licença para continuar sua viagem por meio da continuação da epopeia.

Canto III – D. Inês de Castro

Camões abre o canto III invocando a musa da epopeia a fim de cantar a genealogia heroica dos portugueses, partindo de sua localização geográfica na Europa (estância 6), até chegar à descrição de Portugal. A partir desta, passará a cantar toda a genealogia dos reis portugueses e suas vitórias: a batalha de Ourique (estância 48), a luta contra os Mouros (estância 50), a batalha de Salado (estância 107) e o episódio de Inês de Castro (estância 118).

O que mais chama atenção desta narrativa tão cheia de feitos heroicos obtidos pelas armas, por grandes batalhas e por opositores tão bons, mas que são vencidos, pois os portugueses são maiores e mais valorosos, é a narração do assassinato de Inês de Castro, mulher que, subjugada pelo sogro, Afonso IV, é morta por ser o grande amor de seu filho, D. Pedro. Ela, frágil e delicada, torna-se uma heroína romântica em plena narrativa épica (parte extremante lírica dessa epopeia). Contrapõe-se ao caráter valoroso e heroico, pois o rei manda matá-la, o mesmo rei Afonso IV que acaba de voltar vitorioso da Batalha do Salado, presta-se  a uma atitude tão pouco heroica.

O rei é pressionado pelo povo a matar a frágil Inês (Inês de Castro era uma espanhola de quem o príncipe D. Pedro se tornou amante. Essa relação causava apreensão na corte portuguesa, o que fez o rei  D. Afonso IV mandar matá-la.) que, pede  e implora por sua vida (utiliza-se até dos netos do rei, mas este tenta até perdoá-la, mas, por razões de Estado, mantém-se inflexível). Mesmo em posição de desvantagem, consegue, por meio dela, lançar críticas ferozes, apesar de camufladas, ao caráter de seus assassinos, principalmente quando estabelece uma comparação entre eles e os animais selvagens – os homens saem perdendo desonrosamente, mas ainda assim, ele manda aplicar a sentença. E, na estância 130, Camões culpa o povo e absolve o rei.

Na narrativa, Vasco da Gama, mostra-se indignado diante do assassinato, qualificando-o como cruel e covarde. Para reforçar esse aspecto, usa adjetivos constantemente carregados de criticidade e verbos, como “encarniçar”, que poderiam ser usados para animais (estância 132).

Estância 130
“Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra üa dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais – e cavaleiros?”

Estância 132
“Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
As espadas banhando, e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, férvidos e irosos
No futuro castigo não cuidosos.”

A Coroação de Inês de Castro em 1361 (c. 1849), por Pierre-Charles Comte.
Inês de Castro virou Rainha depois de morta. Há uma lenda que diz que houve até a cerimônia do ‘beija-mão’.

É possível que esse episódio dialogue com a tragédia grega Antígona, pois, assim como D. Afonso IV, o rei Creonte é obrigado a sancionar a morte da heroína, por representar o Estado.

Antígona é condenada à morte porque decide enterrar seu irmão, Polinices, que é considerado um traidor de Tebas e, por isso, tem proibido seus ritos fúnebres. A moça, contrariando o Edito de Creonte, sepulta-o e é condenada à morte. Antígona uma tragédia do Estado, onde a religião e o Estado grego se confrontam, resultando na morte da heroína que permanece firme em seguir o rito dos deuses, mas punindo até as ultimas circunstâncias aquele que acusa a heroína de ser inflexível em suas atitudes.

O caráter frio apresentado por Creonte, aparecerá na peça Antígona, demonstrando que o Estado Grego, pode se colocar, inclusive, acima da religião. Creonte acusa Antígona de inflexível, enquanto inflexível é o próprio Estado, representado por ele, porém, mostrando ser influenciável, a partir de um discurso do cego Tirésias, o qual, posteriormente, será apoiado pelo coro e tenta o persuadir. Tal fato, que o diferencia de Édipo, por um lado, aparenta certa fragilidade do governante que não mantém a sua postura, mas, por outro lado, também apresenta um governante que escuta os pedidos do povo e é capaz de mudar de opinião em função desse coro de cidadãos, considerando que este coro é composto de cidadãos e Atenas é uma democracia.

Antígona

Coro: Prudência, Créon, filho de Meneceu.
Créon: Que devo eu fazer? Fala e obedecerei.
Coro: Tira essa mulher da prisão subterrânea
            e mandar enterrar o morto profanado.
Créon: Isso é o que aconselhas? Deverei ceder?
Coro:Quanto mais depressas, ó rei, porque os
            castigos dos deuses não tardam de alcançar os réus.
Créon: Custa-me, ai de mim! Voltar atrás, mas volto,
            já que é inútil ir contra o que é necessário.
Coro: Vai fazê-lo, e já! Não confies a outrem.

Tradução de Guilherme de Almeida: Antígona (versos 1098 a 1107).
O emparedamento de Antígona, teatro, montagem de Antunes Filho (2005)

O mesmo ocorre, portanto, com D. Afonso IV, que até se inclina a absolver Inês, entretanto é pressionado pelo povo, que pede uma reparação, por medo do quê essa união ilegítima entre D. Pedro e D. Inês possa resultar ao Estado Português: medo esse edificado em 1580, oito anos após a publicação do poema épico aqui estudado e no ano de morte do próprio poeta, com a união Ibérica, resultando em um forte crescimento do nacionalismo português e na exaltação de sua pátria, que culminará em nova separação em 1640, transformando assim o povo português.

Canto IV – O Velho do Restelo

Continuando sua narrativa épica, Camões adentra o canto IV rememorando, ainda, os feitos heroicos da história dos portugueses: a batalha de Aljubarrota (estâncias 24 a 43), as conquistas da África (estância 55), a batalha de Toro (estância 58), D. Manoel e seu sonho de dominar as Índias (estância 48, 55, 61, 67, 69 a 73). Vasco da Gama narra a própria viagem (estância 79). Entretanto, antes da esquadra lusitana partir para os grandes feitos, está o episódio do  velho do Restelo:

Estâncias 94 e 95
“Mas um velho, d’aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
Cum saber só d’experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
– Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Cüa aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!”

No momento em que os navios começam a sair, um velho surge entre o povo na praia. É uma figura bastante significativa, pois simboliza a sabedoria acumulada pela experiência de vida. Constrói-se, assim, uma personagem convincente, ainda mais quando se trata de alguém que fará oposição à Expansão Marítima Portuguesa, tão elogiada no épico camoniano.

Torre de Belém, na praia de onde saiu a expedição de Vasco da Gama

A crítica do Velho do Restelo será, primeiramente, contra o que na época chamava-se “Fama” e que é entendido como prestígio social. Em sua visão, esse sentimento é responsável por inúmeros sofrimentos e desgraças, individuais e coletivos, inclusive os que serão causados pela viagem de Vasco da Gama.

A partir de então, o questionamento é dirigido ao Homem, que gosta de arriscar aquilo que até Jesus temeu perder: a vida.

Num terceiro instante, há a defesa de outro tipo de expansão, dessa vez sobre o território mouro. De acordo com o velho, tal feito garantiria aos portugueses a propagação do Cristianismo, além da aquisição de terras, riqueza e fama, o mesmo que seria alcançado com a expansão para a Ásia. A diferença é que a conquista do território árabe evitaria que esse inimigo mais próximo de Portugal, ficasse forte e perigoso.

No último passo, o inventor da navegação é amaldiçoado, o que servirá de gancho para um ataque ao desejo de superar limites – inerente a muitas invenções e descobertas, o que realmente caracteriza um herói. No entanto, o “venerando” faz uma seleção tendenciosa de personagens que com sua ousadia saíram prejudicadas, dando a entender que esse sentimento faz parte dos defeitos da condição humana. Porém esse é o motor da ação que transformará o povo português digno de ser cantado em uma epopeia tão grandiosa.

Em suma: mais uma vez, em meio a uma narrativa de conquistas, o poeta lança mão de uma personagem que critica firmemente o caráter do herói no épico português. São 10 estâncias cheias de críticas mordazes, colocando a prova o ethós (Grego: significa caráter do herói épico grego) do “peito ilustre lusitano”, cheio de sabedoria, acreditando que sua argumentação surtirá efeito.

Canto V – O Gigante Adamastor

Expedição portuguesa de Vasco da Gama e o Gigante Adamastor

Após a fala do velho do Restelo, a partida. Vem aí o canto V, no qual Vasco da Gama resume a primeira parte da viagem: o fogo de Santelmo (estância 18), a tromba marinha (estância 21), a aventura de Fernão Velloso (estância 31) e, principalmente, o Gigante Adasmastor (estância 38) “- Eu sou aquelle occulto e grande cabo/ A quem vós chamais de Tormentorio”. O Gigante narra a causa de sua monstruosa transformação: uma paixão não correspondida por uma nereida (Tétis), transforma-o em pedra. Adamastor é a personificação do Cabo das Tormentas (ou Cabo da Boa Esperança), e representa, no plano histórico, a superação do Mar Tenebroso pelos Portugueses, uma vez que se trata de uma região que alterna calmarias e terríveis vendavais, de correntes marítimas que jogavam as embarcações para as pedras. Mas, Vasco da Gama, era o predestinado para ultrapassá-lo (estância 49), com uso inclusive do astrolábio. Ao contar sua história à Vasco da Gama, o titã começa a chorar e some diante dos marinheiros, esse é o momento que o capitão aproveita para passar pela região que não havia sido transposta até então.

Esse canto é singular, pois, para dar mais valor aos heróis lusitanos, Camões coloca o Gigante Adamastor personificado em Cabo das Tormentas, que após a passagem de Vasco passa a se chamar Cabo da Boa Esperança. Ultrapassar o intransponível faz do herói muito mais forte e valoroso, digno de ser cantado em uma epopeia.

É neste canto V que Camões critica o povo que só dá valor às armas, sem valorizar aquele que canta o feito dos heróis: o poeta épico (estâncias 92, 93, 95, 97). Porém, no canto III, estância 97, o poeta já faz uma exaltação às letras, por meio de um rei letrado e valoroso, D. Dinis (estância 96) e a fundação da Universidade de Coimbra, que reforça no final do canto V, concedendo heroicidade àquele que canta o feito dos heróis “dino” de memória.

Conclusão

Esta breve reflexão traz à luz a matéria da epopeia: os feitos heroicos e as atribuições de heroicidade ao herói épico. Neste sentido, a fórmula criada pelos poemas gregos é seguida a risca: cantar feitos heroicos, trazer ‘fama imortal’ e ‘glória imperecível’ aos heróis portugueses, além do caráter pedagógico do poema, já que é preciso deixar registrado em forma de epopeia a grandeza do povo português, sendo este o maior herói da epopeia camoniana.

Aqui fica registrada a primeira heroína romântica (lírica?) da epopeia: Inês de Castro, aquela que é sacrificada pelo bem do amor e do amado, a pedido do povo. Diferente do paradigma apresentado aqui de Antígona, a qual morre por querer realizar o ritual fúnebre do irmão.

Vasco da Gama acaba por usar ardis com o Gigante Adamastor, assim como faria Odisseu em seu episódio com o Ciclope, na Odisseia. O heroi que ultrapassa o “Cabo das Tormentas”, o qual, dali por diante passa a ser designado por “Cabo da Boa Esperança”, mostra seu caráter multiastucioso ao esperar que o gigante conte sua história e, em um momento de fraqueza do gigante, ultrapasse silenciosamente pelo obstáculo.

O Velho do Restelo é, assim como Nestor, o conselheiro que sempre tenta dar bons conselhos e passar sua experiência; aquele que, teoricamente, diria a máxima “É melhor um covarde vivo do que um herói morto”. Representando algo que os gregos admiravam muito: a sabedoria do ancião, a prudência.

Para finalizar, foi selecionado um parágrafo bastante elucidativo, presente no Volume I da Ilíada, de Haroldo de Campos, Nota Prévia de Trajano Vieira:

“Em seu canto, Aquiles recorda saudosamente o tempo em que, como personagem do poema, possuía κλέος (‘glória’). Percebe que há uma equivalência entre a eternidade da poesia e a do guerreiro. Se a poesia garante a eternidade do κλέος é porque ela é eterna. Colocando de outro ângulo: o aedo necessita que seus personagens ganhem renome imperecível para que a poesia adquira sobrevida. Os prodígios heróicos são uma necessidade poética. A dramaticidade do mundo heróico reflete a dramaticidade da atividade poética pois ambos, herói e poeta, trabalham para superar a transitoriedade. Daí a insistência homérica em afirmar, a todo instante, o caráter transtemporal dos feitos heróico e poético. Diríamos que há um aspecto obsessivo na maneira como o rapsodo se concentra na temática das realizações heróicas, da qual ele não se afasta, pois é em sua valorização que seu próprio valor, enquanto poeta, perdura”.

Bibliografia.

CAMÕES, Luís Vaz de. “Cantos III, IV e V”. In: Os Lusíadas. Edição Comentada por Otoniel Mota. São Paulo, Edições Melhoramentos. 1964.

CAMPOS, Haroldo. “Nota Prévia”. In: Ilíada de Homero.Volume I. (Trad. Haroldo de Campos; introdução e organização Trajano Vieira). 3ª Edição, 2ª Reimpressão. São Paulo: Editora Arx, 2002.

ROMILLY, J. de. “Sófocles ou a tragédia do herói solitário”. In: A tragédia grega. Tradução Ivo Martinazzo. Brasília: UnB, 1998.

SÓFOCLES. Antígona. In Três tragédias gregas, tradução de Guilherme de Alemida, São Paulo, Editora Perspectiva, 1997.

VERNANT, J.P. Mito e Tragédia na Grécia Antiga .São Paulo, Ed. Perspectiva, 1999.

Como citar esse texto:

BORGES, Patrícia Andréa. Os heróis nos episódios notáveis de “Os Lusíadas”. Portal Universo ao Meu Redor. Publicado em 16/12/2019. Disponível em:   https://universoaomeuredorblog.wordpress.com/2019/12/16/os-herois-nos-episodios-notaveis-de-“os-lusiadas”/ . Acesso em: dia/ mês/ ano.

Considerações sobre o “Belo”

Dos filósofos gregos aos filósofos do século XVIII.

APRESENTAÇÃO

Este pequeno estudo se baseia em uma exposição de um recorte da História grega antiga e nos pensamentos dos filósofos do século XVIII. Dentre os quais cito: Voltaire, David Hume e Immanuel Kant. Para antiguidade clássica, ficarei com Aristóteles, Platão e Horácio.

Para se estabelecer um padrão de beleza, seja estético, literário, artístico ou de boas maneiras (etiqueta), é necessário considerar qual foi o mecanismo que proporcionou, através da História, que se conceituasse esse padrão. Para Platão (o primeiro a falar sobre o “belo” (τον καλόν) em seus diálogos platônicos), era importante estabelecer o que era belo, para que se mantivesse somente as coisas belas, em sua “República” idealizada. Para tanto, era necessário considerar primeiramente, a beleza na arte da imitação, seja ela na poesia (μίμεσις ποιέσις), na arte plástica ou na retórica.

INTRODUÇÃO

Para desenvolver uma teoria do que é belo, Platão se baseia na construção de uma República ideal (Diálogos de Platão: A República). Já Aristóteles se baseia intrinsecamente na ideia já estabelecida do que é belo em sua Poética, ou seja, para demonstrar sua teoria o filósofo se utiliza de modelos de arte que ele considera perfeitos e que já é consenso de beleza estabelecido na época. Já Horácio, em sua Arte Poética, utiliza-se de exemplos baseados em pinturas para demonstrar o que é belo e decoroso na composição do belo.

Ao nos deparamos com o século XVIII, percebemos uma retomada platônica para as conjecturas sobre um ideal de arte, letras e literatura. Para esses pensadores, o homem e sua natureza humana precisam atingir um ideal para se estabelecer uma teoria crítica sobre a arte, neste sentido, techné. O que faz do conceito de arte e beleza um objeto a ser estudado, enquanto teorização do padrão artístico.

O “BELO”

Para Voltaire, beleza é algo “que causa admiração e prazer” (Dicionário Filosófico do Voltaire, verbete sobre Beleza, belo. Coleção “Os Pensadores”), sendo um sentimento muito relativo, pois o que é belo para um pode não ser belo para outro. Esse verbete se aproxima muito com o conceito apresentado por Kant em seu ensaio “Da arte e do Gênio” (§44. Da bela-arte. Coleção “Os Pensadores”), pois ele aproxima a beleza  às artes e o que determina sua beleza, acrescentando a comunicabilidade como um prazer universal, associando-o a beleza de arte. Mas Kant continua: ”belo é aquilo que apraz no mero julgamento”, ou seja, há uma retomada ao conceito de beleza apresentado por Voltaire.

No século XVIII vários filósofos trazem ensaios, nos quais procuram definir o belo e a beleza; de como é estabelecido um padrão que direciona o pensamento de uma sociedade. Para Voltaire em seu Dicionário Filosófico, “belo” é: “… e que para darmos a qualquer coisa o título de beleza será indispensável que vos cause admiração e prazer (τον καλόν) o belo”; “… que o sentimento do belo é coisa muito relativa”. Já para Kant, em seu ensaio “Analítica do Belo”, o padrão da beleza é construído ao longo de sua exposição, sendo assim, aparecem várias definições: “O belo é aquilo que, sem conceitos, é representado como objeto de uma satisfação universal”. Detemo-nos na palavra conceito, que ele explica: “Pois de conceitos não há nenhuma passagem ao sentimento de prazer ou desprazer”. No entanto, para estruturar a conceituação de “belo” é necessário inferências subjetivas e, se não houver essas inferências, não há beleza.

Kant continua, entretanto, a especificar a beleza, dividindo-a em duas partes: beleza livre (pulchritudo vaga) e a beleza meramente aderente (pulchritudo adhaerens). Sendo que, a primeira pressupõe um conceito daquilo que o objeto deve ser; a segunda pressupõe tal conceito e a perfeição do objeto segundo o mesmo: “uma beleza condicionada”.

Para Kant beleza livre é:

“Para julgar e estabelecer a beleza livre é necessário levá-las em conta por si (flores, pássaros, natureza), pois seu valor estético apraz livremente, nada representam, nenhum objeto determinado segundo conceitos e são belezas livres”.

Ao se tomar a beleza condicionada, devemos compreender que elas pressupõem um conceito de finalidade, que determina o que a coisa deve ser, portanto um conceito dessa perfeição.

Durante seu ensaio, Kant nos apresenta:

“Não pode haver nenhuma regra de gosto objetiva que determine por conceitos o que é belo. Pois todo o juízo desta fonte é estético; isto é, o sentimento do sujeito, e não um conceito de um objeto é seu fundamento-de-determinação. Procurar do gosto, que fornecesse o critério (kriterium) universal do belo determinados, é um empenho inútil”.

Em dado momento do ensaio, Kant aproxima que o conceito de “belo” é uma “idéia”, assim como dissera Platão. Por isso, ele não pode ser definido “por conceitos, mas somente por exposição”.

A aproximação cabível entre o século de Platão e o século XVIII da era cristã é possível através de uma retomada à cultura, que os filósofos e pensadores desse século efetuam, momento que é feita uma nova releitura dos acontecimentos da época. Volta a ser valorizado o racionalismo (nasce o conceito de razão conhecido hoje), a necessidade de desvinculação da cultura e educação do monopólio da Igreja e a valorização do homem (antropomorfismo). Essa retomada greco-latina traz em si a conceituação do que é mais forte entre as duas culturas, a evolução da humanidade através dos séculos e a culminação no século XVIII. Considerando a expansão helênica de Alexandre, domínio romano e a instauração da Igreja, durante todo esse processo, o padrão da beleza estabelecido, sendo sua semente primeira no berço da civilização ocidental: a civilização grega.

A discussão acerca do padrão da beleza: seja ela nas artes como na estética, é um assunto muito discutível desde na antiguidade. O que é belo? O que é arte?

Ainda Kant diz, em seu ensaio “Analítica do Belo”, que admite em um segundo momento ser definição de belo: ”aquilo que, sem conceito, apraz universalmente”. Conceituado assim, transportaremos esse padrão de beleza para estética, mais precisamente para Helena de Troia, a mulher grega mais bela de toda antiguidade. É impossível falar em beleza clássica antiga sem citar Helena, pois ela é o ícone que representa e aglutina em seu mito a beleza de uma era e de uma civilização. Como poderia ser tão linda se sabemos poucos traços de sua beleza? Essa questão seria facilmente resolvida por se considerar um caráter universal beleza, para tanto, o crítico dessa beleza deve ser desprovido de preconceito. O exemplo de Helena será o qual aqui aplicaremos as teorias, demonstrando que mesmo se conhecer os detalhes, ela resume em si o conceito de belo.

Em seu ensaio, David Hume, “Do padrão do Gosto”, averiguamos a seguinte definição de beleza: “A beleza não é uma qualidade das próprias coisas, existe apenas no espírito que as contempla, e cada espírito percebe a beleza diferente”. Sendo assim, é possível entender como Helena é considerada ainda hoje como mulher linda, pois assim era considerada pela maioria no mundo antigo, tendo o mito permanecido até hoje.

Para se tomar o belo como recorte de estudo, e mais, apreender Helena como representante desse conceito de beleza antiga, é necessário fazer-lhe uma breve biografia apresentada:

Busto em mármore de Helena de António Canova – V&A Museum – Londres

O NASCIMENTO:
“Tendo por seu nascimento algo dúbio. Uma lenda diz que Zeus, metamorfoseado em cisne seduz Leda, mulher de Tíndaro, que acaba por ter de uma gestação filhos gêmeos: Pólux e Helena, sendo que Helena ainda tem outros 3 irmãos: Cástor, Dioscuros e Clitemnestra. Outra lenda diz que depois de muito fugir de Zeus, metamorfoseada em gansa Leda se envolve com o maior dos deusess que está na forma de cisne. Ela põe dois ovos: de um nasce Pólux e Helena e outro Cástor e Clitemnestra. A partir desse caráter mítico, descrita como semideusa, é Helena dotada de beleza extraordinária”.

(***)

O CASAMENTO:
“Era o dia da decisão, com quem se casaria Helena? Uma multidão enfeitada e brilhante acotovela-se em torno do palácio de Tíndaro, soberano de Esparta. Ele deve arrumar um marido para sua filha Helena, que dizem ser a mais bela mulher do mundo. Todos os monarcas gregos querem casar-se com ela, e isso preocupa Tíndaro – quando Helena escolher um, muitos ficarão com ciúmes! É um sério risco de disputas e até de guerras.

Felizmente, um desses reis, o astuto Ulisses, que reina sobre Ítaca, compreende as preocupações de Tíndaro. Apresenta-se diante deste e sugere:
–  Ó rei! Peça a todos os pretendentes de Helena que jurem defender em qualquer circunstância o marido que ela escolher.

Dito e feito: dali a pouco, numa cerimônia solene no maior salão do palácio, todos os soberanos prestam o juramento exigido por Tíndaro.

Em seguida, a bela Helena entra na sala com uma coroa de flores na mão. Olha cada um dos príncipes. De repente, decide-se. Pára diante de Menelau, o mais rico dos aqueus, e deposita a coroa sobre sua cabeça. Caberá a ele, e só a ele, conhecer a felicidade de viver com Helena e de (quando Tíndaro morrer) tornar-se rei de Esparta…

Enquanto Menelau, invejado por todos, reina agora sobre Esparta, um jovem pastor de ovelhas sonha muito longe dali, no monte Ida. Em poucas horas, voltará à pobre cabana de seus pais, camponeses como ele. No entanto, Páris Alexandre – assim ele se chama – não é um pastor comum. O rapaz ignora o segredo de seu nascimento. Seus verdadeiros pais não são os pastores miseráveis que o esperam no casebre, mas Príamo e Hécuba, rei e rainha de Tróia, a mais rica e poderosa cidade da Ásia Menor.

Quando Páris nasceu, Hécuba sonhou que estava dando à luz uma porção de serpentes chamejantes, que se enrolavam umas nas outras e silvavam. Chamados a interpretar esse sonho, os adivinhos foram taxativos: a criança causaria a ruína da família e a destruição de Tróia. Por isso, Príamo resolveu abandonar o menino às feras, no alto do monte Ida. Mas uma ursa encontrou o bebê e amamentou-o. Um camponês observou o animal e seguiu-o, descobrindo a criança e adotando-a…

O MOTIVO DO RAPTO:
Tudo teria começado, a guerra que se estendeu por dez anos, na festa de casamento do rei Peleu, um humano, com Tétis, uma das tantas deusas do mar. Tendo o centauro Quirón oferecido o banquete de núpcias, todos os deuses do Olimpo foram convidados. A exceção, aliás, justificada, foi não terem avisado a Eris, a deusa da Discórdia, excluída do rol dos presentes a festa. Em vista disso, para vingar-se, insinuando-se entre os convivas, ela jogou entre eles uma bela maça de ouro. Nela havia uma inscrição: “à mais bela”. De imediato três deusas lá presentes, Hera, Palas Atenas e Afrodite, quiseram ficar para si com o fruto dourado.

O todo-poderoso Zeus, não querendo envolver-se na celeuma, recomendou às três concorrentes que fossem até o Monte Ida, nas proximidades de Tróia, e pedissem ao jovem Paris, o pastor local (porém filho do rei Príamo), que servisse como árbitro da contenda. Num repente as três deusas apareceram em frente a ele. Que ele logo se decidisse. Cada uma delas prometeu-lhe algo: Hera acenou-lhe com conquistas militares, Atena com a sabedoria, enquanto Afrodite, a deusa do Amor, prometeu colocar-lhe nos braços a mulher mais bela do mundo: Helena, rainha de Esparta. E foi assim que o destino futuro de Tróia foi traçado, visto que a sentença de Páris foi a favor de Afrodite.”

Leda e o Cisne de Leonardo da Vinci
Padrão de beleza feminino do Renascimento – mulheres mais voluptuosas

Os três eventos envolvendo Helena (nascimento, casamento e rapto), está sempre associado à sua beleza. Em todos os momentos, Helena é tratada como a mais bela, a perfeição da beleza, podendo, porém, ser averiguado em uma passagem da Ilíada e no texto do Górgias:

ILÍADA
“Ao ver Helena ao topo dirigir seus passos,
uns aos outros disseram palavras aladas:
Ninguém de nós se indigne se Tróicos e Dânaos,
belas-cnêmides, tantos (tanto tempo!) males
sofram por uma tal mulher! Diva Imortal
assemelha, terrível beleza! Volte,
não obstante, aos seus, poupando-nos da ruína”
(Ilíada, III, vv 154- 160).

O ELOGIO DE HELENA
“Senhora de tal origem, ela foi possuidora duma beleza divina”.
Fragmento 11. (4)

Durante toda a História, não há descrições sobre a beleza de Helena, e sim o efeito que ela causa nos outros. Isso, entretanto, não desfaz a problemática do belo, da beleza, das artes e da literatura, apenas a explica por um ponto: o consenso de beleza é formado da ideia da perfeição, de acordo com a maioria, que a sociedade estabelece no momento de sua concepção. Partindo do bom senso e da razão, além de ser através da prática do crítico em apurar o gosto pela beleza. Por isso, durante a história, um bom crítico de artes é uma personalidade rara.

Todavia, através dos tempos, os conceitos de belo e beleza, despontam a partir daquelas civilizações que estão segurando “o estandarte da História”. As nações que ao longo da História proporcionam e estabelecem o que é belo, devendo ser acolhido e aceito por todos os outros povos que, acabam sendo coadjuvantes naquele momento histórico, ou seja, em cada momento histórico o padrão de beleza é estabelecido por um representante. Sendo assim, o mundo grego estabeleceu um padrão de beleza nas artes em geral: escultura, estética, poesia, dança, canto, representação teatral, política. E esse padrão se perpetuou por muito tempo, sendo difundido por Alexandre e absorvido pelo mundo romano, que incorpora e transforma em um padrão latino e, ao efetuar suas novas empreitadas militares, acabou por estabelecer em cada lugar conquistado sua cultura, sendo também é uma releitura da cultura grega.

Seria interessante ressaltar que o padrão de beleza grego já pode ter sido uma releitura do padrão estabelecido anteriormente pelos egípcios. O padrão grego foi o mais difundido (principalmente pela expansão de Alexandre) por toda antiguidade e perdura até os dias atuais, ainda causando fascínio. Isso graças aos grandes homens do Renascimento, que não só resgataram como estudaram, trazendo àquela realidade uma nova forma de pensamento.

Avançando para questão das artes, utilizaremos as letras como exemplo, sendo explicitado aqui um ensaio de David Hume para nortear nosso estudo: “Da Origem e Progresso das Artes e Ciências”. De acordo com o autor, para que haja um desenvolvimento das artes, é necessário que haja um ambiente propício, que não seja despótico. E ainda faz uma reflexão que será posteriormente retomada por Kant, a qual diz: “que a beleza não é uma qualidade das próprias coisas, existe apenas no espírito de quem as contempla, e cada espírito percebe uma beleza diferente”. Portanto, a percepção da beleza deve ser um reflexo da perfeição mental do nosso padrão de gosto e só a percebemos através de suas particularidades. Para o filósofo inglês, a artes tem como ambiente propício as monarquias cultas, que as incentive, pois a sua educação e gosto pelo belo, pode proporcionar o seu desenvolvimento. Já as ciências (que não serão tratadas aqui), precisam de um ambiente republicano, posto que o sistema de economia capitalista fomenta, sendo necessário que o cidadão seja importante para sociedade que vive, então, para isso, é importante que ele crie coisas e máquinas novas e renove a sua utilidade na sociedade para essa sociedade. Para o desenvolvimento das artes é necessário o refinamento da nobreza o qual deve ser imitado pelo povo.

Talvez essa a explicação possa elucidar o desenvolvimento das artes, no século V a.C, na Grécia. Fazendo um paralelo com Édipo (protagonista da peça trágica intitulada Édipo Rei de Sófocles), que é descrito como um homem questionador que representa a evolução das ciências do século V. Ele era um representante da tragédia dos integrantes da polis grega no momento de transformação: da instauração do direito; do humano sobrepondo-se ao divino e o início do declínio da religião antropomórfica.

O século XVIII é o momento que a educação é rompida da igreja (laicização), e Hume aparenta demonstrar, em seus ensaios, que seja uma retomada ao modelo grego para propagação das ciências. Na França, pós Revolução Francesa, será instituída a total desagregação da Igreja no ensino; em Portugal, Marques de Pombal também desvincula a Igreja da educação (Companhia de Jesus), principalmente nas colônias (leia-se aqui, Brasil) – Marques de Pombal, adepto ao despotismo esclarecido, é Primeiro Ministro de Portugal, admite as inovações iluministas e expulsa jesuítas que ‘catequizam e educavam’ os índios das colônias. Sendo assim, é possível crer que a religião é um empecilho para a evolução das ciências e até das artes, pois ela tolhe de alguma forma a criatividade daqueles que a estabelecem para a maioria.

CONCLUSÃO

Para concluir essa breve exposição do quão difícil é a conceituação do belo e da beleza, é importante ter em mente que o estabelecimento desse conceito é realizado pelo representante histórico do momento determinado na História. Deve ser livre de preconceitos, representar a ideia de uma maioria de perfeição; é um aspecto subjetivo que, teoricamente, deve ser aceito.

O fomento da evolução das artes é mister que tenha uma sociedade que não seja despótica, com uma nobreza que tenha gosto refinado e que seja imitada por todos. Um ambiente autoritário pode inibir o florescimento e o crescimento das artes de uma maneira geral. Todavia, também pode ser uma motivação de fazer boa arte e de maneira bem criativa (consideremos, por exemplo, o período da ditadura militar do Brasil, repleto de músicas, livros, peças de teatro e manifestações artísticas de importância ímpar até hoje para o país).

O exemplo apresentado aqui de beleza refere-se à Antiguidade: Helena de Troia, uma mulher que foi eleita como a mais linda de todo mundo antigo, cuja beleza é estudada ainda nos dias atuais. Sempre descrita, pelo menos nos textos acessados, com um padrão de beleza perfeito, fazendo justiça ao conceito idealizado por Platão e, posteriormente, retomado pelos filósofos do século XVIII. A Ilíada, de Homero, configura uma das mais antigas narrativas da beleza de Helena e, por meio dela, é possível perceber que o conceito de belo é mostrado como forma perfeita e subjetivada pela maioria. E ainda, ela – a bela Helena – como o grande motivo de uma guerra grandiosa e cantada na antiguidade, a Guerra de Troia, o que simbolicamente demonstra que em todos os tempos sempre foi necessário conquistar e ditar o padrão de beleza que será seguido pelos outros.

BIBLIOGRAFIA:

ARISTÓTELES. Poética. (Trad. de Eudoro de Souza). São Paulo: Abril Cultural. 1ª edição, 1973.Coleção Pensadores.

BRANDÃO, Junito de S. Mitologia Grega. Volume I. 4ª Edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

CAMPOS, Haroldo. Ilíada de Homero.Volume I. IN: Canto III. (Trad. Haroldo de Campos; introdução e organização Trajano Vieira). 3ª Edição, 2ª Reimpressão. São Paulo: Editora Arx, 2002.

GÓRGIAS. Górgias. Testemunhos e Fragmentos.IN: O Elogio de Helena. (Trad: Manuel Barbosa, Inês de Ornellas e Castro). 1ª Edição. Lisboa: Edições Colibri, 1993.

HORÁCIO. Arte Poética. (Trad. R.M. Rosado Mendes). Lisboa: Editorial Inquérito, 1984.

HUME, David. Ensaios morais, políticos e literários.IN: Da origem e do progresso das artes e das ciências e Do Padrão do Gosto. (Trad.: Antonio Sérgio). 3º Edição. São Paulo: Abril Cultural, 1984, Coleção: Os Pensadores.

KANT, Immanuel. Textos selecionados.IN: Analítica do Belo (Crítica do Juízo, §§1-22). (Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho). 2ª Edição. São Paulo: Editora Abril S. A. Cultural, 1984, Coleção: Os Pensadores.

LODGE, Rupert C. Plato´s Theory of Art. IN: The Origin of Art. London. Routledge & Kegan Paul LTD. 1953.

VOLTAIRE, François M. A. Dicionário Filosófico.(Trad. Bruno da Ponte e João Lopes Alves). 2ª Edição. São Paulo: Editora Abril S. A. Cultural, 1984, Coleção: Os Pensadores.

PLATÃO. A República. (Trad. Maria Helena da Rocha Pereira). 5ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian.

QUESNEL, Alain. A Grécia. Mitos e lendas. (Trad.: Ana Maria Machado). 6ª Edição. São Paulo: Editora Ática, 1996.

Como citar este texto:

BORGES, Patrícia Andréa. Considerações sobre o “belo”: dos filósofos gregos aos filósofos do século XVIII. Portal Universo ao Meu Redor. Publicado em 12/12/2019. Disponível em: https://universoaomeuredorblog.wordpress.com/2019/12/12/consideracoes-sobre-o-belo/. Acesso em: dia/ mês/ ano.

Filoctetes de Sófocles – Um breve comentário

Filoctetes em antiga cerâmica grega

PROPOSTA

A partir do texto abaixo, comente o Filoctetes de Sófocles:

“(…) Na verdadeira tragédia não pode haver sucesso, e nós realmente não o queremos; nós observamos a carreira fatal de um herói cuja obstinação condena-o à derrota, mas de quem não desejamos ver a rendição (…) no Filoctetes desejamos-lhe o sucesso (…) consequentemente nossa atenção é dirigida não apenas para a personagem central mas também para os métodos usados para influenciá-lo (…) mas no Filoctetes o método usado por Odisseu e Neoptólemo são tanto do nosso interesse quanto à reação do herói a eles, pois eles devem de algum modo ter êxito. Por esta razão, as complicações do enredo, os detalhes da intriga, pedem nossa atenção mais insistentemente do que numa tragédia de modelo normal. Eles são de fato tão vitais como eles são na comédia, onde o conflito dramático é baseado mais em incompreensões que podem se clarificadas do que em diferenças fundamentais que não podem nunca ser reconciliadas. Os métodos usados na tentativa de dominar o herói serão, em outras tragédias de Sófocles, de importância secundária, pois eles servem apenas para aumentar a intransigência do herói, mas no Filoctetes eles são de extrema importância; a escolha do método é crucial, pois aqui há métodos corretos e errados, e de algum modo o correto deve ser encontrado.”

(Knox, B.M.W. The Heroic Temper, Univ. of Cal. Press, Berkeley, 1997, p.118-9)

COMENTÁRIO

Filoctetes

Após a leitura atenta de vários teóricos sobre a tragédia em questão, Filoctetes, datada de 409 a.C., podemos perceber características não presentes em ouras tragédias de Sófocles, nas quais ocorrem transformações na conduta de uma personagem. A mudança no pensamento de Neoptólemo, que primeiramente aceita usar os ardis de Odisseu para enganar Filoctetes e, posteriormente, volta atrás, devido, inclusive, ao caráter heroico de seu pai, o guerreiro iliádico Aquiles, “que odiava como as portas do inferno o homem capaz de dissimular o seu pensamento” (Ilíada, Canto IX, v. 312). O jovem guerreiro, primeiramente aceita enganar Filoctetes, depois, com certa crise de consciência, resolve falar a verdade ao herói solitário e, inclusive, propõe-se a voltar com ele para casa, abandonando Troia.

O segundo momento, após ter sido enganado e perdido seu arco, única maneira de defesa e alimentação naquele ambiente selvagem e hostil, Filoctetes é engolido pelo mundo selvagem, passando de caçador (civilizado) e utilizador do fogo culinário, para caça: “os bichos que eu caçava me caçarão por sua vez” (Filoctetes, v. 955-958).

A lenda de Filoctetes era, para Sófocles, uma trama essencialmente simples:

“relegado em Lemnos depois de ter sido picado por uma serpente, coxeando e exalando um odor insuportável, mas possuidor do arco infalível de Héracles, Filoctetes permanece exilado durante 10 anos, até o dia em que uma expedição grega o reconduz a Troia, onde será curado. O adivinho Heleno, capturado por Odisseu, revela que só sua presença e a do arco assegurariam a tomada de Troia”.

Vernant & Vidal-Naquet, Jean Pierre e Pierre. O Filoctetes de Sófocles e a Efebia. In: Mito e   Tragédia na Grécia Antiga. Editora Perspectiva, São Paulo, SP. 1999. Verso 221 (http://data.perseus.org/citations/urn:cts:greekLit:tlg0011.tlg006.perseus-grc1:219-254)
A Caverna de Filoctetes – Lemnos by Yianni Kyriazis

Possuidor de uma μέτις inigualável, Odisseu convence Neoptólemo a enganar Filoctetes e o jovem guerreiro, não só por idade, mas por obediência, compactua com a mentira: “ouvires, obedece, já que és um subordinado/ Então o que ordenas?” (Filoctetes, v. 53-54). Com a continuidade da tragédia e sua relação com o herói (e talvez pela amizade de Odisseu com Aquiles), Neoptólemo volta atrás e, depois de ter tomado as armas de Filoctetes, enquanto este dormia, devolve-as, demonstrando a lealdade e o caráter de um guerreio da linhagem de Aquiles, como é várias vezes exaltado pelo próprio Filoctetes.

A solidão do Filoctetes de Sófocles é total: “ele vive numa terra sem abordagem e sem habitante (οὔτ᾽ εὔορμον οὔτ᾽ οἰκουμένην)”[1]. A ilha é deserta e o “coro é formado pela tripulação do barco grego”[2]. O tragediógrafo Sófocles dá ao filho de Aquiles, Neoptólemo, papel essencial na trama:

“é a ele que Odisseu encarrega de, pela astúcia, se apossar do arco e da pessoa do herói. A maior parte da peça é constituída de diálogos entre Filoctetes, o herói envelhecido, exilado há dez anos e ferido, e o adolescente, cuja jovialidade é a todo instante sublinhada”.

Vernant & Vidal-Naquet, Jean Pierre e Pierre. O Filoctetes de Sófocles e a Efebia. In: Mito e Tragédia na Grécia Antiga. Editora Perspectiva, São Paulo, SP. 1999.

A solidão de dez anos envolvia inclusive a falta de escutar o idioma grego, quando começa a conversar com o filho de Aquiles, relata que o som lhe é “caríssimo” (Filoctetes, v. 234-235).

Há, aqui em Filoctetes, a retomada de uma questão bem explorada por Sófocles em outras peças: o civilizado X o selvagem, desta vez, o civilizado Filoctetes é abandonado no mundo não civilizado, Filoctetes é, propriamente falando, “asselvajado” (ἀπηγριωμένον), o vocabulário que o caracteriza é o que define a selvageria animal[3].

Algo a ser ressaltado reside em uma fala de Neoptólemo: “onde o pior tem mais força que o bom/ e enfraquece a honestidade e o fraco domina,/ a estes homens jamais terei afeição./ A rochosa Ciros será para mim o bastante/ no futuro, de forma a me aprazer em casa”. Neoptólemo parece falar dele mesmo, ao invés de falar de Filoctetes e de sua situação em relação aos atridas.

Neoptólemo

O jovem guerreiro apresenta, ao longo da tragédia, crises de consciência no que tange a enganar Filoctetes. Entretanto, é com muita humildade que se revela ao guerreiro dono das armas de Héracles: “Vou reparar o que fiz de errado” (Filoctetes, v. 1224). “Então não é possível que se mude de opinião?” (Filoctetes, v. 1269), mas este também percebe a influência de Odisseu, multiardiloso e multiastucioso, no comportamento de Neoptólemo: “Tu não és sórdido, mas por homens sórdidos instruído” (Filoctetes, v. 971).

Outro ponto a ser ressaltado é que, apesar de ser conhecedor do oráculo que envolvia o retorno de Filoctetes à Troia, Neoptólemo não conta a Filoctetes, ao invés disso, tenta persuadi-lo de todas as formas e com todas as argumentações possíveis. Entretanto, era preciso manter esse segredo para coerência da narrativa. Essa ferramenta de Sófocles é o que pode proporcionar a reviravolta (Περιπέτεια) da tragédia, fazendo com que os espectadores torçam pelo herói doente e suas pazes com a heroicidade, que lhe é de direito. Não é possível ir contra os oráculos dos deuses, é preciso que eles se realizem:

“entre os direitos dos deuses e os do Estado, abriam-se abismos, surgiam conflitos, e operavam-se tomadas de consciência. É por isso que os personagens da epopeia passam a ser, na obra de Sófocles, os porta-vozes de um mundo novo: eles apresentam problemas que a lenda ignorava, e encarnam um ideal que exigia mais do homem, incessantemente, tornando-o sempre mais o juiz único de seus deveres.”

ROMILLY, J. de. Introdução, Capítulo I e Sófocles ou a tragédia do herói solitário. In: A tragédia grega. Tradução Ivo Martinazzo. Brasília: UnB, 1998.

“Essa tragédia é puramente dedicada a um problema moral: mentir, roubar. Neoptólemo primeiro hesita, depois aceita. A peça inteira resume-se no relato desse conflito vivido por ele: ele é piedoso, honesto, não pode ludibriar esse homem solitário. O ardiloso Odisseu, levado por razões de Estado, tenta impor-se ao jovem e puro, que finalmente foge ao compromisso: “A honestidade aqui vale muito mais que a habilidade” (Filoctetes, v. 1246). Iniciado no prólogo, o grande debate moral entre competência e honra mantém-se até a última decisão, tomada, como sempre, em favor do heroísmo.”[4]

DEUS EX MACHINA: UM ARTIFÍCIO DE SÓFOCLES

Héracles, o deus ex machina de Filoctetes

Todos os teóricos estudados para este comentário escreveram que Herácles surge no final da narrativa como um deus ex machina para resolver a aceitação de Filoctetes em voltar à Troia e cumprir o oráculo: “Ó tu que envias a desejada voz,/ e tardio apareces,/ não desobedecerei às tuas palavras” (Filoctetes, v. 1445-1447). Contudo, parece que o deus aparece no final da tragédia para dar conta da coerência. Aos expectadores já era esperado o final, com o retorno do herói, que irá ser imortalizado matando Páris Alexandre, esse retorno deveria ser maravilhoso, para tanto, era necessário para Sófocles mostrar um “algo a mais”, e nada mais deificado do que surgir o próprio deus, que é falado na peça toda, por ter dado suas armas a Filoctetes, para que, ele mesmo convença o herói a voltar à luta e a defender os aqueus. Héracles, portanto, aparece ex machina, de cima (talvez de um guindaste?), do Olimpo, como uma aparição divina que aconselha e resolve a trama. Assim como Aquiles teve seus motivos, tanto para sair como para retornar à batalha, aqui Filoctetes vai simplesmente “fazer as pazes” com o divino e tornar-se um herói épico imortal.

CONCLUSÃO

Efígie de Sófocles no Teatro Nacional de Manheim, Alemanha

É característico na obra sofocliana heróis que são intransigentes, mantendo suas posições até que a ação da peça seja consumada. E, quando voltam atrás, a situação é tragicamente irreversível[5]. Mas, há também aqueles que não voltam atrás, de forma alguma e a resultante da ação é a automutilação (Édipo Rei) ou o suicídio (Ájax).

Em Filoctetes, Sófocles foge ao seu tradicional: duas personagens mudam de opinião e atitude: primeiro Neoptólemo, que prefere a verdade aos ardis de Odisseu, para convencer Filoctetes à voltar para o campo de batalha, em Troia; Segundo, o próprio herói, que por uma força sobrenatural e divina – Héracles como deus ex machina – é convencido a voltar, sem que isso coloque em pauta sua condição heroica, fazendo com que o drama termine com “final feliz”, o que não é comum nas tragédias de Sófocles.

E muito mais, a matéria da tragédia passa a ser os anos de solidão, abandono e sofrimento da personagem principal (ele tinha uma ferida purulenta na perna, resultado de uma mordida de cobra, que causava mau cheiro, porém, não o havia matado), além do que, os gregos tentam novamente enganá-lo[6]. Contudo, dessa vez, para roubar suas armas. A perniciosa astúcia de Odisseu, por meio do efebo Neoptólemo, vai tentar ludibriar Filoctetes, mas Neoptólemo irá se redimir retomando a moral e os valores éticos pertinentes a um herói homérico.

O caráter da mudança, que é tão explorado em Ájax (outra tragédia de Sófocles), que prefere se suicidar ao se adaptar a uma nova realidade, a perene continuidade de algo que é tão transitório, entretanto constante, explicitado nos versos 669 a 677 de Aias[7], permite exemplificar a presença da mudança, principalmente, nos fenômenos da natureza e no seu ciclo natural: as estações do ano, o dia e a noite e assim por diante. Em Filoctetes, ela é brindada, com a já citada, mudança de atitude das personagens Neoptólemo e o próprio Filoctetes.

Algo que não pode ser deixado de lado é a solidão do herói sofocliano, tão bem esclarecido por Jacqueline de Romilly: “todos os seus heróis são mais valentes que o natural; e todos se debatem na solidão que seu heroísmo exige”. Filoctetes é o herói que permanece durante dez anos em solidão, privado da companhia humana (ele fica feliz quando escuta o som do idioma grego sendo falado pelo jovem Neoptólemo), trazendo à tona seu lado mais selvagem. A única coisa que permite ao herói não voltar ao estado de natureza é seu arco e flecha, com o qual consegue estabelecer o único contato com a civilização: é o que o diferencia dos bichos da ilha, ele ainda é o caçador, portanto perdendo suas armas ele perde seu traço de civilidade e pode passar a ser caçado. Ou seja, Filoctetes não é só o herói que luta para sobreviver, mas é o homem que luta para continuar civilizado.


[1] Vernant & Vidal-Naquet, Jean Pierre e Pierre. O Filoctetes de Sófocles e a Efebia. In: Mito e   Tragédia na Grécia Antiga. Editora Perspectiva, São Paulo, SP. 1999.

[2] Idem

[3] Vernant & Vidal-Naquet, Jean Pierre e Pierre. O Filoctetes de Sófocles e a Efebia. In: Mito e   Tragédia na Grécia Antiga. Editora Perspectiva, São Paulo, SP. 1999. Sua morada é uma caverna animal, αὔλιον (verso 19), αὐλίῳ (verso 954), αὔλιον (verso 1087) e αὐλίων (verso 1149). Ver também o verso 1321, ἠγρίωσαι, “tu fizeste de mim um selvagem”.

[4] ROMILLY, J. de. Introdução, Capítulo I e Sófocles ou a tragédia do herói solitário. In: A tragédia grega. Tradução Ivo Martinazzo. Brasília: UnB, 1998.

[5] Cito aqui a personagem Creonte em “Antígona” que, quando volta atrás na atitude de matar a heroína, influenciado pelo coro, já a encontra morta. Tradução de Guilherme de Almeida, dos versos 1098 a 1107.

[6] A primeira vez que os dânaos o logra, é quando o abandonam, dormindo, em Lemnos, 10 anos antes, já doente.

[7] Tradução feita por  Flávio Ribeiro de Oliveira, em sua dissertação de mestrado.

Teatro de Epidauro – Grécia 2019

BIBLIOGRAFIA:

CAMPOS, Haroldo. “Canto IX”. In: Ilíada de Homero.Volume II. (Trad. Haroldo de Campos; introdução e organização Trajano Vieira). 3ª Edição, 2ª Reimpressão. São Paulo: Editora Arx, 2002.

FREIRE, António. “Sófocles”. In: O Teatro Grego. Braga, Publicações da Faculdade de Filosofia, 1985.

KITTO, H.D.F. “Filoctetes”. In: Tragédia Grega: Estudo Literário. Volume II. (Trad. E prefácio do Dr. José Manuel Coutinho de Castro). Coimbra. Arménio Amado – Editora – Coimbra. 1990.

OLIVEIRA, Flávio Ribeiro de. Dissertação de Mestrado – Aias de Sófocles. FFLCH, USP, 1994.

ROMILLY, J. de. “Introdução”, “Capítulo I” e “Sófocles ou a tragédia do herói solitário”. In: A tragédia grega. Tradução Ivo Martinazzo. Brasília: UnB, 1998.

SANTOS, Fernando Brandão dos. Dissertação de Mestrado – Filoctetes. FFLCH, USP, 1990.

SEGAL, Charles. “Philoctetes: The Myth and the Gods”. In: Tragedy and Civilization: An Interpretation of Sophocles. Cambridge, Harvard University Press (Oberlin College), 1981.

VERNANT, J.P. Mito e Tragédia na Grécia Antiga .São Paulo, Ed. Perspectiva, 1999.

Para baixar o livro: https://talkingreek.wordpress.com/2017/03/03/sofocles-teatro-completo-download/ .

Para ler o resumo da peça: https://www.trajanovieira.com/filoctetes-de-sofocles/ .

Para ler o texto da tragédia em grego: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3atext%3a1999.01.0193

Para ler o texto da tragédia em inglês: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3atext%3a1999.01.0219

BORGES, Patrícia Andréa. Filoctetes de Sófocles – Um breve comentário. Portal Universo ao Meu Redor. Publicado em 11/12/2019. Disponível em:  https://universoaomeuredorblog.wordpress.com/2019/12/11/filoctetes-de-sofocles—um-breve-comentario/. Acesso em: dia/ mês/ ano.

Medeias de Eurípides e Pasolini

Maria Callas, Medeia, 1969, Pier Paolo Pasolini.

Primeiramente, é necessário dizer que os gregos quando compunham suas tragédias, normalmente tomavam os temas da tradição mitológica[1]. Contudo, a mitologia grega não compunha um caráter canônico, um livro único e oficial. Na verdade, a origem do mito é da cultura oral: não havia apenas uma Medeia, mas Eurípides, quando escreveu a peça para o concurso, não só reuniu os mitos como, também, acrescentou uma novidade: ela assassinou os filhos. Nenhuma versão anteriormente a de Eurípides relata que Medeia mata seus filhos para se vingar de Jasão. A inovação dos dramaturgos era comum e aceitável, pois o espectador já conhecia o mito e ia à representação dramática exatamente para ver como o tragediógrafo contaria aquela história. Portanto, foi por meio de Eurípides que a história de Medeia ficou “engessada” no mito criado para o espetáculo.


Encontro de Jasão e Medeia, Amor entre eles. Uma cena do prelúdio da tragédia de Eurípides. Medeia 350-340 a.C. Local: Museu Arqueológico Regional Eoliano, Itália. (tradução livre)
https://www.alamy.com/meeting-of-jason-and-medea-amor-between-them-a-scene-from-the-prelude-of-euripides-tragedy-quot-medeaquot350-340-bce-crater-sicilian-production-detail-of-10-03-07-12-location-museo-archaeologico-regionale-eoliano-lipari-isle-of-italy-image206648614.html

Outro aspecto que é importante salientar é que a tragédia que nos chega, até o presente momento, é a tragédia recompilada na idade média, pois as tragédias da época eram escritas em papiros, material que é extremamente perecível. Além do mais, através do tempo, ocorreram várias inserções e erros de copistas, até que realmente o texto fosse “fixado”. Em aproximadamente 200 a.C. foi estabelecida a edição de Alexandria, cujo editor foi Aristófanes de Bizâncio, o gramático, que analisou e retirou interpolações desnecessárias e os erros evidentes dos copistas.

Se o teatro é o espetáculo da catarse[2], nada mais didático do que mostrar e demonstrar o que não deve ser feito, ou seja, o caráter pedagógico, o contraexemplo. Para isso, a personagem principal deve ser o avesso do exemplo a ser seguido pelas mulheres da Atenas do século V a.C. Sendo assim, a Medeia de Eurípides se torna o παραδεῖγμα do que não deve ser seguido, ainda mais se a considerarmos como bárbara na terra grega. O uso “deux ex machina”[3], por estratégia do tragediógrafo, servia para demonstrar não só que Medeia não era regida por estatutos normais, devido à sua origem, mas também, para desvelar o quão inverossímil é a interferência dos deuses nas resoluções humanas. Portanto, o “deux ex machina”, também utilizado por Pasolini na cena final, na forma de um sol escaldante, faz parte do pacote do contraexemplo a ser explicitado na pólis grega. Assim, Medeia é a mulher, feiticeira, em terra estrangeira (repudiada no novo lar), que fere as regras da hospitalidade (271-276) e mata sua prole:[4]

A ti, tenebriforme furiosa com o marido
Medeia, editei que desta terra tu saias
banida, levando contigo os dois filhos
e sem demora, como sou juiz da razão
disto aqui e não regressarei ao palácio
antes de te exilar dos termos da terra.
(TORRANO, 1991)

Medeia é mais, pois não se pode negar o poder persuasivo e retórico da protagonista, ela manipula e faz de Jasão um joguete de seus e para seus interesses. É um ἀγόν[5] dialógico entre Medeia e Jasão, pois este também possui atributos dos discursos sofistas do tempo de Eurípides. De forma ardilosa, a protagonista engendra e tece o destino de Gláucia e de seus filhos, contando ao coro (cena que aparece na íntegra no filme) de forma direta todos os passos que dará (772-799):

Já te direi todos os meus cuidados,
acolhe, porém, não por prazer, as palavras.
Enviando um de meus fâmulos a Jasão,
pedirei que ele venha à minha vista.
Quando vier, eu lhe direi com brandura
que assim também penso e que está bem;
as núpcias régias, que a nos trair contraiu,
são convenientes e bem as reconhecemos.
Pedirei que meus filhos permaneçam,
não para deixá-los em terra hostil
à mercê de inimigos a ultrajá-los,
mas para matar a filha do rei dolosamente.
Enviarei os filhos com dádivas nas mãos
à noiva, para que os não exile desta terra,
véu sutil e coroa de ouro trabalhado.
Se ela puser sobre a pele esse adorno,
terá morte maligna e quem mais a tocar,
com tais drogas untarei as dádivas.
Aqui todavia altero esta fala:
deplorei que ação há de ser feita
por mim, doravante: matarei os filhos
meus, ninguém há que os livrará disso.
Arruinarei todo o palácio de Jasão
e irei da terra, pela morte dos filhos
foragida, capaz da ação a mais ímpia,
pois incapaz do riso de inimigos, amigas!
Eia! Que me lucra viver? Nem pátria
nem palácio tenho, nem refúgio de males.
(TORRANO, 1991)

Apesar desta breve descrição, Medeia vive um conflito interno: ela ama os filhos, como aparece nos versos 1019-1023, 1040-1048, 1057-1061, 1069-1080. Todavia, ela pretende vingar-se de Jasão, como exemplifica os versos entre 1397-1398, 1351-1360, 1363-1372, respectivamente:

Assim agirei. Mas vá para o palácio,
provê aos filhos como cada dia precisa.
Ó crianças, crianças, tendes ambos cidade
e palácio, onde ao me deixarem mísera,
residireis para sempre sem a vossa mãe.
(vv. 1019-1023, TORRANO, 1991)

Pheû pheû! Por que me fixais, ó crianças?
Por que sorris para mim o último sorriso?
Aiaî! Que fazer? A coragem some, ó mulheres,
quando vi o olhar límpido das crianças.
Eu não poderia. Digo adeus às decisões
anteriores, levarei meus filhos desta terra.
Por que ferir o pai destes com estes males
e obter eu mesma duas vezes tantos males?
Eu não mesmo! Digo adeus às decisões.
(vv. 1040-1048, TORRANO, 1991)

Deixa-os, ó mísera, poupa os filhos!
Lá, vivos, entre nós, eles te alegrarão.
Ó Numes ínferos sem-latência junto a Hades,
nunca será de modo que eu permita
aos inimigos ultrajar os meus filhos!
(vv. 1057-1061, TORRANO, 1991)

Quero falar com os filhos. Ó crianças,
dai de acariciar à mãe a mão destra.
A mais amada mão, a mais amada boca,
ó figura e rosto nobre das crianças,
sede felizes ambos, mas lá; aqui porém
o pai suprimiu. Ó doce abraço,
ó meiga pele e hálito suave dos filhos!
Ide! Ide! Não posso contemplar-vos
mais, mas sou vencida por males.
Sim, compreendo quais males farei.
O furor é superior à minha decisão,
ele causa os maiores males aos mortais.
(vv. 1069-1080, TORRANO, 1991)

Ó filhos queridos!
Pela mãe, não por ti!
Tu os mataste!
Para te punir.
(vv. 1397-1398, TORRANO, 1991)

Longamente eu me estenderia contra tuas
palavras, se Zeus pai não conhecesse
o que de mim sofreste e o que fizeste.
Tu, por desonrar meu leito, não devias
Passar a vida prazenteira a rir de mim,
nem a tirana, nem quem te deu a noiva,
Creonte, impune banir-me desta terra.
Ademais, se queres, chama ainda leoa
e Cila que habita a planície tirrênia.
Contra golpeei teu coração como é preciso.
(vv. 1351-1360, TORRANO, 1991)

Ó crianças, que maligna mãe tivestes!
Ó filhos, que vos perdestes por mal paterno!
Não minha destra, porém, destruiu-vos.
Mas o ultraje e as tuas novas núpcias.
Ao leito deste o valor de seu massacre?
Parece-te que para a mulher é uma dor leve?
Para a prudente. Tu tens todos os males.
Estes não vivem mais, isto te magoará.
Eles vivem, poluidores de tua cabeça.
Deuses sabem quem principiou o mal.
(vv. 1363-1372, TORRANO, 1991)

É possível perceber, em diversas passagens, que Medeia titubeia, fica em dúvida de seus objetivos e propósitos, tal como a Medeia de Pasolini, que mostra essa ambiguidade da personagem. Porém, ela faz o que deve ser feito e realiza seu objetivo.

O filme Medeia, de Pier Paolo Pasolini, põe em evidência discursos históricos estabelecidos como lógicos. A imagem de Medeia em seu país, no início do filme, no momento do sacrifício do jovem que é esquartejado, remonta ao mito grego que não aparece na tragédia de Eurípides, além de antecipar aos fatos da atração por Jasão, o roubo do Velocino de Ouro e da morte do irmão por Medeia, Absirto, o qual é recolhido pelos moradores da Cólquida, conforme a feiticeira joga seus pedaços no momento da fuga. No filme, ainda, Medeia dialoga com o seu avô, Sol, em dois momentos: no início e, quando resolve matar Gláucia, Creonte e seus filhos, por vingança a Jasão, demonstrando o caráter mítico da personagem e sua estirpe, retomando, assim, um preceito das tragédias pelos gregos, o uso do mito.

Margaret Clementi, Gláucia, Medeia, Pier Paolo Pasolini, 1969.

Pasolini “assimila alguns elementos arcaicos por parte do mundo moderno, o momento preciso da síntese” (FUSILLO, 1996 apud MACIEL, 2005) e, diz o próprio cineasta, “A incerteza existencial da sociedade primitiva permanece como categoria da angústia existencial ou da fantasia, na sociedade evoluída” (FUSILLO, 1996 apud MACIEL, 2005). É assim que ele trará Medeia à modernidade, fazendo uma releitura da tragédia que, saindo da superfície dos conflitos, busca os seus significados míticos. Para tanto, Pasolini associará as imagens e sons que, extrapolando os significados contidos no texto dramático de Eurípides, apontarão para uma nova leitura da obra dramática. A entrada desses recursos utilizados por Pasolini fará com que o espectador, tal qual o espectador grego do século V a.C., utilize dos 5 sentidos para a catarse, trazendo, por meio delas, o mundo antigo em suas paisagens, máscaras, atualizando o caráter histórico e atribuindo-lhe modernidade na releitura pasoliniana.

Esse caráter de permanência, ou seja, de presença atualizada, aponta para uma análise da comparação entre os dois textos pelo ponto de vista da realização de uma tradução, na qual não se pode deixar de observar o reforço pasoliniano de evitar qualquer resquício de melancolia, qualquer exacerbação valorativa do Clássico.

(MACIEL, 2005)

Considerando isto, é possível afirmar que há simetria entre a Medeia de Eurípides e a de Pasolini, pois ambas são trazidas para o momento presente de sua representação. Para tanto, Eurípides traz uma Medeia enraivecida, cheia de πάθος; já Pasolini, apresenta-nos uma Medeia sempre bárbara, cuja origem não se perde. E, sendo assim, as duas “Medeias” agem por uma “justiça cara ao deus” e para vingar-se “dos inimigos”.

É importante destacar a “modernidade” de Eurípides para sua época: o tragediógrafo inserido no movimento sofista transporta sua filosofia para o teatro, trazendo ao público as discussões que moviam as ações humanas, além da descaracterização dos deuses pelo caráter mítico inserido por Homero e exemplificado por Heródoto.

Heródoto é o primeiro historiador da Grécia Antiga, sendo que, as coisas que ele não sabia explicar, recorria ao mito e, assim, a história estaria contada. É o historiador que se põe entre Homero, totalmente mágico, no sentido de mítico, e Tucídides, totalmente pragmático, para tanto destaca no prefácio do livro I:

De fato, os acontecimentos anteriores e os mais antigos ainda, dado o recuo do tempo, era-me impossível estabelecê-los com clareza, mas pelos indícios, a partir dos quais, num exame de longo alcance, cheguei a uma convicção, julgo que não foram importantes, nem quanto as guerras nem quanto ao mais.

(TUCÍDIDES, I-2)

Não que o historiador despreze o mito, ele até o revisita, porém busca racionalidade para explicá-lo e colocá-lo no contexto histórico:

[…] Vemos que ele partiu com o maior número de navios e os forneceu aos arcádios, conforme nos indica Homero, se é que para alguém o seu testemunho é suficiente.

(TUCÍDIDES, III-3)

Para Tucídides, Heródoto não escreve a verdade, pois ele não busca testemunha e não usa o método correto:

A tal ponto é negligenciada a pesquisa da verdade pela maioria dos homens que se inclinam para versão corrente […] , nem que os logógrafos compuseram visando ao que é mais atraente para o auditório de preferência ao que é verdadeiro, pois não é possível comprovar esses fatos e a maioria deles, sob a ação do tempo, ganhou um caráter mítico que não merece fé; poderia julgá-los, porém, por critérios que são os mais evidentes para os fatos antigos, suficientemente estabelecidos.

(TUCÍDIDES, XX-3)

Sendo assim, Tucídides critica seu antecessor, elimina o caráter fabular da história e, ainda, destitui-a de uma visão cíclica.

[…] mas, se todos quantos querem examinar o que há de claro nos acontecimentos passados e nos que um dia, dado seu caráter humano, virão a ser semelhantes ou análogos, virem sua utilidade, será o bastante.

(TUCÍDIDES, XXII-4)

Tendo estabelecido estes pontos, destaca-se o momento em que Eurípides desenvolve suas tragédias.

Já Pasolini desconstrói a tragédia de Eurípides: todavia, é uma forma de releitura que opta o diretor, pois trata o texto grego antigo com uma exemplar modernidade. O cineasta, em dado momento do filme, representa a conversa da protagonista do coro tal como aparece na tragédia e, presume-se, que tenha sido representada no mundo antigo: Medeia conversa com o coro, o qual responde, cantando (em Pasolini, lamentando) e dançando. Neste momento, a personagem conta ao público seus planos, depois de ter retornado a antiga magia e conversado com o Sol. Outro aspecto interessante é que, no filme, a magia bárbara de Medeia está presente em suas roupas antigas, da época de sua terra natal, como se ela voltasse a ser a mesma, com o mesmo poder de outrora. Poder este que é repudiado, tanto na peça como no filme, como práticas bárbaras que põe medo em toda população de Corinto.

A Medeia de Pasolini não carrega as afeições humanas da euripidiana, tão importante para o século V a.C. Para o cineasta, a Medeia proposta é que ela esteja além do bem e do mal proposto pelo tragediógrafo grego, mas é possível perceber que a Medeia de Pasolini é tão fria quanto a de Eurípides: ela mata de forma fria o irmão que a ajuda a roubar o Velocino, além de jogar os pedaços dele enquanto foge com Jasão. Ela demonstra um caráter que propicia ao espectador perceber que ela é capaz de qualquer coisa por um objetivo.

Razão e sentimento se revezam no filme tal como na peça; como também o valor do mítico, quando Jasão entrega o Velocino ao tio, diz: “Esta aí, mas acho que só tem “força” na terra de onde veio”. Portanto, há uma transposição: tanto o Velocino como Medeia só são fortes no estrangeiro, pois fora de seu lugar de origem, o caráter mágico perde seu efeito.

O Jasão de Pasolini subestima o poder mágico de Medeia, apesar do Centauro tê-lo avisado dos poderes inerentes da protagonista. Jasão acaba por representar uma característica importante do homem do século V a.C., mesmo em Pasolini, a representação do pensador sofista que descrê das potencialidades divinas.

Guiseppe Gentile, Jasão, Medeia, Pier Paolo Pasolini, 1969.

Nesse sentido, Pasolini tenta se afastar de Eurípides, mas se reaproxima de forma sutil, pois estabelece a cisão do mundo arcaico, religioso e bárbaro representado por Medeia; e Jasão um herói racional e pragmático, para o texto grego e o filme.

Esse ritual cindido do religioso-mítico, tão repudiado pelos sofistas e tão bem retratado por Pasolini, choca com o início da cena do sacrifício humano que, para os gregos, é feito como um movimento de interação do homem e na natureza, como um pedido-agradecimento à fertilidade. Para tanto, Pasolini e Eurípides (apesar dessa cena não existir na tragédia) recriam e repudiam o barbarismo de Medeia, retomando assim para Eurípides o contraexemplo, ou seja, aquilo que deve ser repudiado pela pólis grega por ser exemplo de barbarismo, mesmo sendo um sacrifício ao deus para dar fertilidade à terra inóspita.

Ao chegar à terra de Jasão, Medeia é privada de suas roupas originais, passando a usar a vestimenta de sua nova terra, tentando assim “apagar” seu passado e sua descendência. Porém, a relação de Medeia com o sagrado não pode ser apagada, apesar de ela renunciar tudo em nome do amor de Jasão, o qual não dá mostras de se interessar por sua vida espiritual, reafirmando, no filme, a posição da mulher vivida no século V a.C., e a questão das uniões: são totalmente comerciáveis e utilitárias, pois Medeia não passa de um “meio” para Jasão atingir o seu “fim”.

Sendo assim, tanto Pasolini quanto Eurípides abordam fatores comuns: as relações da pólis grega com o estrangeiro, ou seja, com o bárbaro e da forma como ambos abordam o tema do estrangeiro. A Atenas do século V a.C. é o lugar do apogeu cultural e filosófico de toda a Grécia, além de sua supremacia econômica. Com este sentimento de superioridade nas artes e na economia, muito mais do que uma nova forma de pensar reivindicada pelos sofistas, Eurípides recria o mito de Medeia, trazendo à cena o universo mágico e primitivo daqueles que não eram gregos, por isso inferiores.

Portanto, o civilizado e o primitivo é contraponto, tornando-se

“patente, no discurso de Jasão, as qualidades retóricas de Eurípides e a influência que sofreu por parte dos sofistas de seu tempo.[…] Eurípides transforma-o num homem de seu tempo, um ateniense comum, sem escrúpulo […]”.

(HIRATA, 1991, p.15)

E, continuando assim, marca em uma fala de Medeia a incredulidade de Jasão aos deuses (492-495).

Das juras a fé se foi, nem posso perceber
se crês que Deuses enfim não valem mais,
ou novas leis vigem entre homens agora,
já que és consciente de que me és perjuro.
(TORRANO, 1991)

Tal como a própria cidade de Atenas, por meio de seus filósofos e historiadores, passam a marcar a importância do homem grego em detrimento à interferência dos deuses em suas vidas. Todavia, essa transição religiosa é gradativa, pois Eurípides marca essa força nos povos bárbaros por meio de Medeia.

Pasolini marca fortemente essa não-existência de deus para Jasão, eliminando da personagem qualquer influência divina, demonstrando a plena racionalidade demonstrada por Eurípides, Platão e Tucídides, passando com que o homem buscasse as respostas na terra e não nas divindades. Medeia, tanto para Eurípides como para Pasolini, está no mundo mítico de Homero. Portanto, passa também a ser uma contraposição do novo e o antigo; civilizado x primitivo, racional x mítico, divino x real, tal como propõe Tucídides acerca de Homero e Heródoto.

Portanto, conclui-se que Pasolini recria a obra de Eurípides, pairando sobre esta em alguns momentos e, em outros, adentrando-a em seus aspectos culturais, históricos e antropológicos. O cineasta traz ao cinema a dualidade do mundo antigo para qual Eurípides usa como ensinamento, por meio do exemplo imposto ao estrangeiro na figura de Medeia. Jasão representa o próprio ateniense que passa a desacreditar no divino para “examinar” a natureza e procurar por “testemunhas”, como propõe Tucídides. Sendo assim, Pasolini retrata o pensamento euripidiano, sofista e desapegado aos deuses do homem grego do século V a.C.


[1] Para Apolodoro “mitografia não cria, arregimenta”; Para Homero, existe o verbo grego μυθολογέω, contar, relatar; pois, μυθολογέω é um termo posterior. Consideraremos, neste trabalho, μυθολογίᾳ como abordagem de mito por um ponto de vista. Todavia, o percurso léxico é difícil.

[2] Aristóteles. Poética, 1449β24.

[3] Resolução divina para o desfecho de uma tragédia. Na Medeia grega, na última cena, o avô de Medeia, o deus Sol, resgata-a em seu carro, para que esta fuja da ira de Jasão.

[4] Todas as traduções apresentadas neste trabalho são da tradução de JAA Torrano, 1991.

[5] Embate de forças entre dois personagens, por uma supremacia de poder.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARISTÓTELES. Poética. Tradução Eudoro de Sousa. São Paulo: Editora Victor Civita, 1984. Disponível em:
https://filosofema.files.wordpress.com/2008/05/aristoteles-metafisica-etica-a-nicomaco-poetica-colecao-os-pensadores.pdf . Acesso em: 17 mai. 2019.

BULFINCH, T. O livro de ouro da mitologia. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

CAIRUS, H.F. Medeia e seus contrários. Fortaleza: Revista de Letras, nº27, 2005. Disponível em:
http://www.revistadeletras.ufc.br/rl27Art02.pdf . Acesso em: 17 mai. 2019

CARTLEDGE, P. (org.). História ilustrada Grécia Antiga. 2 ed. São Paulo: Ediouro, 2009. 

EURÍPIDES. Medéia. Tradução e organização de Flávio Ribeiro de Oliveira. São Paulo: Odysseus, 2006.

EURÍPIDES. Medéia. Tradução de Jaa Torrano. S.P: Hucitec, 1991.

FUSILLO, M. La Grecia secondo Pasolini. Firenze: La Nuova Italia, 1996.

HARTOG, F.  A História de Homero a Santo Agostinho. Prefácios de historiadores e textos sobre história reunidos e comentados por François Hartog, traduzidos para o português por Jacyntho Lins Brandão, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2001.

HIRATA, F. Y. Medéia, uma apresentação. In: EURÍPIDES. Medéia. Tradução de Jaa Torrano. S.P: Hucitec, 1991.

JAEGER, W. Paidéia. A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes: 2003.

MACIEL, U. Medéia, de Pasolini uma tradução desconstrutora. Cadernos do CNLF, Volume IX, no.13. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em:
https://www.filologia.org.br/ixcnlf/13/07.htm . Acesso em 17 mai. 2019.

OLIVEIRA, F. R. O mito na tragédia grega. Revista Cult, ed. 107, 2010. Disponível em:
https://revistacult.uol.com.br/home/o-mito-na-tragedia-grega/ .
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PIRES, F. M. Mithistória. São Paulo: Humanitas, 1999. Disponível em:
https://www.academia.edu/18708373/Mithist%C3%B3ria. Acesso em 17 mai. 2019.

TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso Livro I. Texto grego estabelecido por Jacquelini de Romilly. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

VERNANT. J.P. Mito e sociedade na Grécia Antiga. Trad. Myriam Campello. 2 ed. Rio de Janeiro, José Olympio.

FILME:

Medéia. Direção e roteiro: Pier Paolo Pasolini. Produção: San Marco SpA (Roma), Le Films Number One (Paris) e Janus Film und Fernsehen (Frankfurt). Produtores: Franco Rossellini; Marina Cicogna. Filmado em maio-agosto 1969. Duração: 110 min.

Como citar esse texto:
BORGES, Patrícia Andréa. Medeias de Eurípides e Pasolini. Portal Universo ao Meu Redor. Publicado em 17/05/2019. Disponível em: https://universoaomeuredorblog.wordpress.com/2019/05/17/medeias-de-euripides-e-pasolini/. Acesso em: dia/ mês/ ano.

A hora e a vez da mulher na Grécia Antiga

Este texto não é um artigo acadêmico!!! É apenas uma reflexão.

Voltando a reler os clássicos, apenas por deleite e um pouco de refrigério da alma, deparei-me com questões interessantes no que se refere ao papel da mulher em Atenas no período clássico.

Jovem dança ao som da flauta

Sabe-se que mulheres, crianças e escravos eram excluídos da vida pública em qualquer situação e não usufruíam de nenhum tipo de direito político, o título de cidadão era reservado apenas aos homens, nascidos de pais atenienses. Todavia, Péricles, em sua reforma no ano de 451 a. C., restringe o acesso à cidadania, já que se tornava necessário ter pai e mãe ateniense para obter a cidadania, quando anteriormente, bastava que o pai fosse de Atenas. Essa era uma mudança significativa na pólis ateniense, posto que à mulher também era estendido do título de cidadã, mas apenas para gerar filhos que fossem cidadãos e filhas que pudessem se casar com outros cidadãos. É interessante pensar que a mulher tinha o título, por meio dela era concedido o título aos homens descendentes, mas não usufruía dele.

Elas estavam destinadas ao espaço privado, enquanto os homens usufruíam do público, mas isso não quer dizer que elas não pudessem sair à rua. Havia festivais, por exemplo, que eram destinados às mulheres, em louvores à deusa Atena como as Panateneias ou as Tesmofórias, que era um festival exclusivamente feminino, ligado principalmente à fertilidade agrícola e humana, em homenagem a Deméter e a Perséfone/ Koré. Portanto, elas partilhavam de um grupo social diferenciado que também era necessário ao progresso espiritual e o sucesso da atividade agrícola  pólis ateniense durante o ano vindouro.

Ainda falando de Atenas, é importante que se remeta a um texto de Santo Agostinho (A Cidade de Deus, Livro XVIII, Capítulo 9, p. 1717-1718) que cita Marco Terêncio Varrão explicando que é o voto feminino que atribui o nome da cidade à deusa Atena.

Mesmo tendo votado em favor à deusa Atena as mulheres perderam três direitos: o direito ao voto, o de dar seus nomes aos seus filhos e ao de serem chamadas de ateneias, ateneidas ou mulheres de Atenas.

Há também o caso de que em Atenas o nome de uma mulher não podia ser mencionado em público, a não ser que ela tivesse baixa reputação. Em casos arbitrados nos tribunais em Atenas, como por exemplo, o assassinato de um marido, a mulher era sempre representada por um homem. Contudo, se fosse necessário que ela apresentasse provas, seu testemunho era tomado mediante os membros da família e introduzido aos argumentos, aos quais, muitas vezes, atribuía-se considerável relevância.

O nome de uma mulher era mencionado em público fora de sua família somente se ela fosse escrava, prostituta (hetaira), sacerdotisa ou se estivesse morta. Os nomes oficiais também eram diferentes para homens e mulheres. Os homens atenienses tinham três nomes: o pessoal, o patronímico e o demótico – nome da deme original da família ou o seu lugar de residência. As mulheres tinham os nomes pessoais e eram identificadas pelo nome do pai ou do marido com um possessivo, mas não tinham demódicos e não estavam registradas nas listas das phraties (clãs hereditários e de parentesco) ou no registro das demes. Mesmo nas lápides de mulheres estavam inscritos os demódicos do pai ou do marido.
(COLE, 2008, p. 41)

Havia também uma categoria de mulheres, a qual se evidenciava por Aristóteles de “esposas dos pobres” que trabalhavam no comércio. Essas mulheres trabalhadoras e negociantes estavam exclusivamente na camada mais baixa da escala econômica, elas podiam se ocupar de lã, comércio varejista e aleitamento, ficando impedidas de terem ocupações que ganhassem dinheiro. Aliás, elas eram proibidas por lei de realizar negócios com quantias acima de três dracmas (moeda vigente na Atenas Clássica).

Exemplo de Dracma.

Deixo aqui um pensamento: qual era o papel da sacerdotisa e da pitonisa? Elas pertenciam à alguma classe (escrava, meteca, cidadã)?

E na literatura?

Páris (Orlando Bloom) e Helena (Diane Kruger) no filme Troia, 2004.

A literatura grega nos mostra mulheres bem diferentes. Comecemos por Helena.

cheguei, fugida, tálamo, irmãos, filha e amigas
queridas para trás largando.
Ilíada, canto III, vv. 176-177

Helena de Esparta, depois alcunhada de Helena de Troia, era filha de Zeus (metamorfoseado em cisne) com a mortal Leda. Dessa união, Leda colocou dois ovos: um com os imortais filhos de Zeus, Helena e Polux e o outro, com os irmãos mortais, cuja paternidade é atribuída a Tíndaro, Clitemnestra e Castor. Era considerada a mulher mais bela do mundo antigo, devido sua descendência divina, foi roubada por Teseu quando tinha 11 anos, mas recuperada por seus irmãos e devolvida à terra natal. Por ser tão linda, tinha diversos reis e príncipes de toda Grécia como pretendentes e, para não causar nenhuma guerra interna por entregar a filha para um ou para outro, Tíndaro, seu pai mortal, deixou Helena escolher o seu esposo. Antes da escolha, todavia, Odisseu fez com que todos os reis da Grécia firmassem um pacto de proteção à Helena e ao marido que ela escolhesse. É importante salientar que tal medida adotada por Helena é emblemática, pois, mesmo sendo espartana, ou seja com costumes diferentes das atenienses, Helena demostra força e decisão. E isso só é se considerarmos a importância da mulher espartana em sua sociedade.

O segundo rapto de Helena, protagonizado por Páris Alexandre, príncipe de Troia, levou a Grécia a uma guerra de 10 anos, cujos últimos meses foram contados por Homero. O rapto não aconteceu apenas porque os dois estavam apaixonados, na verdade, o passado mítico de Páris diz que ele foi convidado para ser juiz em uma desavença ocorrida com 4 deusas: Hera, Atena, Afrodite e Éris. As três primeiras foram convidadas para o casamento de Tétis e Peleu (pais de Aquiles) e a última, Éris, não tendo sido convidada, apareceu na festa com uma maçã de ouro com a inscrição “à mais bela”. As três deusas reivindicam o pomo e Zeus para não entrar em “pendenga” com nenhuma das deusas, indica que Páris julgue quem é a mais bela. As três deusas aparecem para Páris oferecendo presentes diversos: Hera oferece o poder e riqueza sobre o mundo antigo, Atena oferece glória, fama e sabedoria para vencer todas as batalhas e, Afrodite, oferece a mulher mais bela do mundo como esposa. Páris escolhe Afrodite.

Vale salientar que quando Helena fugiu com Páris, abandonou Hermíone, sua filha com nove anos. Por tantas acusações que caíam sobre a rainha de Esparta, o sofista Górgias escreve “O Elogio de Helena”. Para defender e inocentar Helena da culpa de ser a única responsável pela guerra, além de restaurar a boa fama da rainha, o retórico Górgias escreve um Elogio (que, para outro retórico, Isócrates, é considerado uma apologia – discurso de defesa), para o qual o autor apresenta quatro motivos pelos quais Helena não deve ser culpada: a influência dos deuses (– mais uma referência ao episódio do pomo e ao julgamento de Páris, para esta não há como fugir); a violência a qual é submetida no rapto (tendo o raptor utilizado de força física para subjugá-la, ele merece ser culpado); a persuasão pelo discurso (se ela foi convencida por meio da persuasão retórica, não merece ser culpada); ou por Amor (seja o deus ou o que o autor denomina de ‘doença humana’). Ou seja, de acordo com Górgias, Helena foi uma vítima dos deuses e/ou de Páris.

Quando se faz um retrocesso histórico de como a personagem Helena nos foi apresentada, pode-se perceber que há uma carga semântica de julgamento de suas ações. A reputação de Helena nos é intrínseca culturalmente em sua composição. De acordo com Coelho (1997), esse tratamento dado à personagem é posterior aos cantos homéricos, “pois na Ilíada os males da guerra não são atribuídos a uma falta sua e na Odisséia as críticas a ela ainda são brandas.” Na Ilíada, o poeta coloca a absolvição de Helena na fala do rei Príamo, conforme ilustra os versos a seguir (Ilíada, III, v. 161-166):

Assim falavam. Príamo, porém, para Helena
se dirigiu: “Querida filha, vem sentar
junto a mim, para ver teu esposo de outrora,
teus parentes e amigos (não te cabe a culpa,
penso, do polilágrimo prélio de Aqueus
e Tróicos travam; sim aos deuses) […]”.

Em seguida, a resposta de Helena à Príamo (Ilíada, III, v. 171-177):

Divina-entre-as mulheres, respondeu Helena:
“És para mim, querido sogro, venerável
e temível. A morte má, sorte propícia
– sinto – me seria, quando com teu filho, aqui
cheguei, fugida, tálamo, irmãos, filha e amigas
queridas para trás largando. Não se deu […]”.

Helena culpa Afrodite (Ilíada, III, v. 394-401):

[…]. Assim falou a deusa,
e comoveu-a no íntimo. Mas percebendo
o colo pluribelo e os seios capitosos
da deidade, e os seus olhos de um fulgor marmóreo,
atônita, exclamou Helena: “Ó demoníaca4
por que esse teu desejo de enganar-me tanto?
Logo me levarás à Frigia ou à Meônia,
onde se encontre um ser falante a ti dileto. […]”

A resposta de Afrodite (Ilíada, III, v. 413-418):

Furiosa, respondeu-lhe a divina Afrodite:
“Mísera, não me incites. Se me encolerizas
e te deixo, terás meu ódio em vez do meu amor.
Se entre Aqueus e Troianos eu suscitasse a ira
lutuosa contra ti, de má morte morrias”.
Falou. Helena, filha de Zeus, teve medo.

É importante ressaltar que na resposta de Afrodite há a certeza de que Helena não é odiada pelos que lutam na guerra, tudo porque, de acordo com a mitologia, a contenda era inevitável: era preciso diminuir o peso da terra para que Atlas continuasse a suportando. Ou seja, Homero assume a posição da inevitabilidade da guerra, por isso, não culpa Helena. Já Górgias a defende por outro viés: a inevitabilidade das circunstâncias a qual Helena é exposta, no que tange à moralidade.

Helena foi “cantada” em diversos gêneros de discurso: no épico, de Homero (como já exemplificado) e nos Cypria (texto para nós perdido que narra os acontecimentos anteriores à Guerra e dá atenção ao julgamento de Páris); no histórico, de Herótodo, no discursivo deliberativo, de Górgias e Isócrates (embora, para este último, Górgias tenha escrito um discurso de defesa e não um elogio, visto que o elogio tem por objeto elogiar as virtudes); na tragédia (Helena), com Eurípides. Segue o exemplo (v. 31-36 e 57-59):

Mas Hera indignada por não ter ganho da deusa,
Nada trouxe para o meu casamento com Alexandre,
Ela não me deu ao filho do Rei Príamo, mas uma imagem (fantasma)
semelhante a mim, que vive e respira, coloca junto aos céus,
que parece me ter, conceito vazio, não me tem.
[…]
Hermes, o renomado, ainda insistirá na terra
de Esparta, percebendo como não tendo ido à Ilion,
de forma que nunca fui para cama em companhia do homem.
(Tradução própria)

Antígona

Antígona é a princesa de Tebas, filha de Édipo e Jocasta, irmã de Ismênia, Etéocles e Polinice. Acompanhou o martírio do pai, depois de ter furado os olhos e o acompanhou até Colona, ficando com ele até sua morte e depois retornou à Tebas. Seus irmãos tinha acordado dividirem o reinado entre eles anualmente. Todavia, Etéocles, passado primeiro ano, recusou-se a entregar o trono a Polinice, que recorreu ao rei de Argos, Áfrastos, seu sogro, que o ajudasse. O caso resultou no episódio “Os Sete Contra Tebas”. Após muitas lutas, os irmãos, em embate direto, morreram. Creonte, agora rei de Tebas, por ser irmão de Jocasta, determina por um edito que a Etéocles seria dispensada honras funerárias, quanto Polinice, deveria ter seu corpo abandonado onde caíra, proibindo qualquer honraria fúnebre de quem quer que fosse, sob pena de morte. Antígona, apesar dos protestos de Ismênia, decidiu enterrar o irmão com suas próprias mãos. Antígona acusa Creonte de ir contra os próprios deuses:

“Tua lei não é a lei dos deuses; apenas o capricho ocasional de um homem. Não acredito que tua proclamação tenha tal força que possa substituir as leis não escritas dos costumes e os estatutos infalíveis dos deuses. Porque essas não são leis de hoje e nem de ontem mas de todos os tempos. Ninguém sabem quando apareceram. Não, eu não iria arriscar o castigo dos deuses para satisfazer o orgulho de um pobre rei. Eu sei que vou morrer, não vou? Mesmo sem teu decreto. E se morrer antes do tempo aceito isso como vantagem. Quando se vive como eu em meio a tantas adversidades, a morte prematura é um grande prêmio. Morrer mais cedo não é uma amargura; amargura seria deixar abandonado o corpo do meu irmão.”

SÓFOCLES. Antígona. Tradução Millôr Fernandes. São Paulo: Paz e Terra, 2003. p. 25-26.

Adaptação de Antígona de Antunes Filho, 2005.

Antígona foi condenada à morte por Creonte, que também perdeu seu filho, noivo dela e sua rainha que se matou de tristeza pela morte do filho. A única a sobreviver da família que Édipo e Jocasta formaram foi Ismênia, do mais todos morreram tragicamente.

O Coro na adaptação da peça Antígona, de Antunes Filho, 2005.

Há muitas outras…

Há ainda outras mulheres emblemáticas presentes na literatura, como a própria Clitemnestra, irmã de Helena, que matou o rei Agamemnon, sobrevivente de Troia, mas foi assassinada por Orestes, incitado por Electra, fatos contados na trilogia Oresteia.

Medeia é outra mulher grega, a feiticeira que ajuda Jasão no episódio do Velocino de Ouro, é cheia de astúcia e rituais, como enviar um vestido envenenado para Creusa, pretendente de Jasão. Na versão de Eurípedes, Medeia mata os próprios filhos para punir Jasão pela infidelidade, para vingar a sua honra (timé – τιμή). Fez uma trilha de mortes: matando seu próprio irmão, Absirto; o tio de Jasão, Pélias; a noiva de Jasão, seus filhos com Jasão e, ainda, tentou fazer o rei Egeu matar seu filho Teseu. Medeia se casou com Egeu depois de fugir de Jasão. Fugiu de Atenas para Fenícia e de lá foi refugiar-se na Ásia.

Maria Callas de Medeia, 1969, Pier Paolo Pasolini.

Finalizo aqui a compilação de duas mulheres gregas emblemáticas da literatura (apenas duas em um universo imenso!) que são notáveis para sua época. Deixo, entretanto, propositalmente, as personagens de comédias de Aristófanes de fora, já que, a proposta da comédia era fazer uma crítica social que buscava operar à beira do absurdo, para causar com mais proeminência o efeito catártico do riso e da diversão. Posto que mulheres fazerem greve de sexo (Lisístrata) ou uma Assembleia de Mulheres (Ekklēsiázousa) que mostra mulheres que se apoderam da vida política da pólis grega devia causar muito riso naquela sociedade por ser, tal comportamento, inadmissível ao sexo feminino da Atenas Clássica.

Bibliografia:

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Como citar esse texto:
BORGES, Patrícia Andréa. A hora e a vez da mulher na Grécia Antiga. Portal Universo ao Meu Redor. Publicado em 28/01/2019. Disponível em: https://universoaomeuredorblog.wordpress.com/2019/01/28/a-hora-e-a-vez-da-mulher-na-grecia-antiga/. Acesso em: dia/ mês/ ano.